terça-feira, dezembro 06, 2005

SAIO DO BLOGSPOT PARA ENTRAR NA HISTÓRIA.


Mas sem suicídio virtual. Este endereço vai continuar existindo; imagens legais que eu não pude transferir; comentários bons demais para serem sofrerem uma morte horrível dessas. No mais, suicídio público é coisa ou de presidente sul-americano, ou de mulher dramática - daquelas que gritam "Eu vou me jogaaar!", de chambre e pantufa e copo de whisky, sentadas na muretinha do segundo andar. Nossa, odeio suicídio público.

Me mudei para o Apostos (www.apostos.com). Vejam! estou numa pose sensual; meu beiçinho suturado treme de excitação; te espero todo suado e de toalha e sem calcinha no meu novo endereço: www.apostos.com/rodrigodelemos

Liga pra mim, rapagão.

*********************************************

Mais apostos?

sábado, dezembro 03, 2005

LVIII


Não se deve argumentar contra aforismos.

Um aforismo pede outro aforismo, ou uma discordância silenciosa.

quinta-feira, dezembro 01, 2005

le paradis terrestre en son visage


Nem Platão, nem Baudelaire: a beleza é uma lição de ambigüidade moral.

Um rosto bonito, ainda que idiota, ainda que vulgar, por vezes ainda que criminoso, tem sempre um quê de altruísta; ele nos oferece tanto, e não pede nada em troca. Por isso mesmo, estamos sempre dispostos a perdoar suas faltas. Tão imoralmente quanto perdoamos um bom poema que nos leve a más ações.

segunda-feira, novembro 28, 2005

and he remembers roxy music in 1972

sábado, novembro 26, 2005

quatro pontos de lingüística no lábio inferior


Era quase meia-noite e eu me divertindo na academia, quando estoura um gancho no meu aparelho, o cabo de aço salta pra longe, e a barra que eu puxava tem a descortesia de me vir direto na boca sem nem perguntar meu nome ou me pagar um Martini - também, com aqueles mais de 30 quilos, o programa não saía por menos de 60R$. De qualquer jeito, tudo muito engraçado; finalmente consegui cantar "Bela Lugosi's Dead" com a boca empapada de sangue. Só o embaraçoso de depois, ser costurado sob uma burca hospitalar enquanto George Michael canta "Careless Whisper" em som ambiental de enfermaria is not my idea of heaven. E agora esses pontos no lábio! - coisa mais Billy Idol.

Por isso estou brabo, muito brabo com qualquer coisa que tenha mais de trinta quilos - uma kombi, um mamute, você, a humanidade inteira (ok, ok, menos os somalianos); vejam!: estou olhando para a câmera debaixo pra cima, tremendo o lado direito do meu beiço como Elvis em filme no Havaí.

E quando fico brabo, muito brabo, tenho vontade de falar em lingüística. É inexplicável; meu irmão come sozinho minha caixa de Ferrero Rocher, e saio por aí bufando, mostrando meu pinto tatuado com análises sintáticas de frases de Proust - e não, não, isso não é propaganda da minha percussion and drums.

O fato é que estou relendo alguma coisa de filosofia da linguagem. Perigoso para quem escreve se preocupar demais com o que é a linguagem - palhaço que pesquisa a etimologia de "marmelada", de "carequinha", acaba ficando corcunda e sem-graça -, mas è divertente, e além disso, bonito. Ciência que usa metáfora em vez de fórmula matemática perde em precisão, mas pelo menos mantém um certo charme e não carrega celular no cinto.

A teoria clássica sobre linguagem, por exemplo, é conhecida como teoria do conduto. É como se a linguagem fosse de fato um conduto em que as palavras, pacotinhos de significado, transferem conteúdos mentais de uma cabeça para outra. E se acontece algum mal-entendido, a culpa é de um dos dois: ou do emissor, que não soube fazer o pacote direito, ou do receptor, que rasgou o embrulho da Sandiz com os dentes e danificou a Base Cobra dos Comandos em Ação, sem direito a troca.

Mas como o tique mental em ciências humanas nos últimos tempos é criticar essas noções autoritárias de erro e mal-entendido, surgiu uma metáfora ainda mais engenhosa para combater a do conduto. É como se cada um estivesse encerrado no seu mundo mental, e a linguagem servisse para deixar sinais do que se passa no nosso interior - mas sem transferência de conteúdos mentais. A imagem é bonita, vejam só: cada um de nós está sozinho num ambiente que só tem um elemento: terra, água, grama, milhopã. A única maneira de trocarmos informações é um pequeno buraco na parede, que nos comunica com o nosso vizinho, e através do qual podemos passar papéis. Certo dia, um de nós - sei lá, o do milhopã - inventa um aspirador de salgadinhos ruins. Ele decide passar a invenção adiante. Então, escreve as instruções num papel e passa pro vizinho ao lado - o sujeito que vive numa selva de samambaia. Ora, esse não conhece milhopã, só conhece samambaia. Mas acontece que piolhos invadiram aquela selva de sala de avó, e ele interpreta o coletor de salgadinho-isopor como uma maquininha de dar eletrochoque em piolho de samambaia. Vai lá e faz o seu próprio aparelhinho, mas baseado nas instruções do outro. Feliz com o sucesso, ele passa o invento para o próximo vizinho - o habitante do mundo do chá de coca, que anda às voltas com uma invasão de traficantes colombianos. Portanto, logo a maquininha de eletrochoque em piolho de samambaia vira uma cadeira elétrica para cartelista bigodudo, para logo após virar um triturador de pézinhos infantis, um masturbador felostático Walita.

Enfim, estamos todos presos no nosso mundo mental; comunicação completa não é possível, e só nos resta mandar para os outros sinais do que eles nunca vão saber, e do que nunca vamos saber o quanto eles realmente sabem - tudo que está atrás da barreira dos dentes, homericamente falando.

Concordo com a metáfora - não sei se porque é verdadeira, se porque é bonita, ou se porque todo mundo que fez duas ou três cadeiras duma disciplina acaba relacionando a verdade de uma teoria com a distância que ela toma do senso comum. O fato é que tem quem viva em ambientes onde quase tudo é art déco e comestível e lembra Ginger Rogers; tem quem viva em grandes salões vazios, sem música e sem comida e com lâminas de pedagogas em retroprojetor; tem também quem viva num quartinho de pensão, com restos de pizza mofada no carpete, ouvindo Van Halen e com posters de Yoná Magalhães nua na parede. E quando um bilhetinho de 300 páginas vindo de um escritor sobre "como é a vida" chega pelo buraco na parede, as impresões variam do entusiasmo à anodia, conforme o ambiente mental. As do cara da Yoná Magalhães, por exemplo, são de que Lucien de Rubempré era veado e de que Bentinho só podia ser corno manso mesmo. Não que sejam impressões ruins - mas tem jeitos mais art déco de dizê-las.

quarta-feira, novembro 23, 2005

right said fred


Se a proliferação de blogs enfestou nossas vidas com textos ruins, a proliferação de máquinas digitais teve o mesmo efeito com imagens embaraçosas. Aqueles 20 centavos por revelação eram higiênicos! Porque não, não foi só o álbum da sua tia no Pantanal que cresceu em progressão geométrica - de 2 fotos do jacaré Paçoquinha para mais de 24; também os álbuns narcisistas do Orkut agora se alimentam de umbigos e peitinhos e mamilos digitalizados. A definição mais perfeita de um álbum narcisista no Orkut é a de uma coleção de imagens feias sobre corpos bonitos. Quantas vezes já não desliguei o celular para affairs que eu vi em fotos no day-after fazendo muque pra mamãe, levantando a camisa para mostrar o abdômen logo acima de legendas singelas, "APETITOSO" ou "IRRESISTÍVEL". Muito peculiar a sensação de ter passado a noite usando a língua numa coisa irresistível - mas cheese cake de framboesa causa o mesmo prazer, e não geme alto quando comido.



*


Não, não é que eu seja contra os meninos aparecerem sem camisa no Orkut. Aliás, Platão disse tudo; meu espírito filosófico realmente se eleva ao ver imagens de efebos gremistas jogando futevôlei em Imbé. Mas hipocrisia, rapazes, hipocrisia! - este sinônimo tão comum para caluniar "civilização". Tentem não parecer tão deliberadamente sexy; é inexplicável, mas até boxeador adquire algo de feminino ao posar de tapa-sexo, fazendo beiço e carinha-de-quero-mais com o dedão na boca. Fotos casuais na praia, na piscina, casam bem as duas necessidades: mostrar o bíceps e manter um pouco da dignidade de coisa respirante. Mas, como sempre, julgo os outros por mim mesmo, e talvez dignidade não valha um scrapbook cheio de pintos.


segunda-feira, novembro 21, 2005

a-versões


Sempre sonho com versões ruins de músicas nem tanto. Acontece comigo desde que Teddy Correia fez "Astronauta de mármore" em cima de David Bowie, que os White Stripes viraram trash house rebolativo.

Noite passada aconteceu de novo: a cantora Simone fazendo a-versões de João Gilberto. Um disco inteiro. Disco de cantora quadradenta em homenagem a compositor consagrado só é homenagem se estiver escrito na capa. Senão, é crime lesa-pátria. Mais ou menos como Dalida cantando Jacques Brel, ou Céline Dion cantando Leonard Cohen.

quinta-feira, novembro 17, 2005

CLVII


"Juro dizer a verdade, somente a verdade, nada mais que a verdade" inibe a falta com a verdade nos tribunais. "Juro dizer o que penso, somente o que penso, nada mais do que penso" inibe o uso da imaginação fora deles.

segunda-feira, novembro 14, 2005

é coisa nossa


"And what a lovely morning!", exclamei como uma Debbie Reynolds no meio da Livraria Cultura. Foi hoje pela manhã. Estava lendo o último livro de Mr. Nelson Ascher e topei com um epigrama que eu bem gostaria de ter escrito; dizia que se os americanos descobrirem a cura da AIDS, tem quem vá ficar a favor do vírus.

Porque não é difícil conhecer brasileiro que defenderia o vírus. Todos aidéticos, naturalmente. Hordas e hordas de portadores de HIV se juntando em frente à embaixada americana, transbordantes de mots d'ordre e raivinha e punho em riste, gritando "O HIV é nosso!" enquanto Gegê Vargas sorri numa foto, maroto e cheio de simpatia. Ah, a heróica resistência do povo brasileiro ao invasor ianque! Sempre penso nisso ao ver camisetas "Bush is stupid" na vitrine da Elite Fashion.

Afinal, não passamos sem junk food, e as pessoas vibram com "Super Size Me"; não vivemos 100 anos contínuos de democracia, e tem quem compare Bush a Hitler. Realmente muito convincente. Mas cada um tem o anti-americanismo que merece. O clichê do islâmico é um radical barbudo queimando bandeira em Teerã. Na França, é sociólogo condenando os EUA por o que os franceses fizeram pior. Já anti-americanismo de brasileiro não é muito mais que adolescente falando mal de Bush enquanto limpa com a língua os restos de Cheddar McMelt no aparelho.

sexta-feira, novembro 11, 2005

café-crème



"Um tal Clair de Lune não fascina
Como o broche na tua lapela";
Poses, Absyntho, cocaína,
E eu: "Não vai dizer que eu sou mais bela?"

"Do que a lua? Ah, mas isso é claro!"
E maquinações de um pince-nez;
Sínteses buscando um verso raro
Para a fabricação de um clichê:

"Por isso é que fica a teu agrado
Mon coeur, ma chère, numa bandeja."
Ouve-se um garçon inesperado:
"E agora, madame, o que deseja?"

"Café-crème", eu digo, "café-crème,
E não mais le coeur deste senhor -
Órgãos à mesa ferem meu lema
De etiqueta - e a conta, por favor."

Ao que um pince-nez cai, e um tremor.

terça-feira, novembro 08, 2005

la rochefoucauld on love (3)

Depois de meses, finalmente a terceira e última parte das máximas de La Rochefoucauld sobre o amor. Ao menos as duas outras não sumiram ainda da página de abertura.



Todas as paixões nos fazem cair em erros, mas o amor nos faz cair nos mais ridículos.

(Toutes les passions nous font faire des fautes, mais l'amour nous en fait faire de plus ridicules.)

De todas as paixões violentas, a que cai menos mal nas mulheres é o amor.
(De toutes les passions violentes, celle qui sied le moins mal aux femmes, c'est l'amour.)

Na velhice da vida como na do amor, se vive ainda para os males, mas não mais para os prazeres.

(Dans la viellesse de l'amour comme dans celle de l'âge on vit encore pour les maux, mais on ne vit plus pour les plaisirs.)

Mulheres jovens que não queiram parecer coquetes e homens de certa idade que não queiram parecer ridículos nunca devem falar do amor como de algo em que possam tomar parte.

(Les jeunes femmes qui ne veulent point paraître coquettes, et les hommes d'un âge avancée qui ne veulent pas être ridicules, ne doivent jamais parler de l'amour comme d'une chose où ils puissent avoir part.)

Na amizade, assim como no amor, somos mais felizes pelo que ignoramos do que pelo que sabemos.


(Dans l'amitié comme dans l'amour on est souvent plus heureux par le choses qu'on ignore que par celles que l'on sait.)

É mais fácil para as mulheres que amam perdoar as grandes indiscrições do que as pequenas infidelidades.


(Les femmes qui aiment pardonnent plus aisément les grandes indiscrétions que les petites infidélités.)

Não faltam remédios que curem o amor, mas não existem os infalíveis.

(Il y a plusieurs remèdes qui guérissent de l'amour, mais il n'y en a point d'infaillibles.)

Nas primeiras paixões, as mulheres amam o amante; nas outras, elas amam o amor.

(Dans les premières passions les femmes aiment l'amant, et dans les autres elles aiment l'amour.)

A mesma firmeza que serve para resisitir ao amor acaba servindo também para deixá-lo mais intenso e duradouro, e os fracos que estão sempre agitados por paixões quase nunca são por elas realmente tomados.

(La même fermeté qui sert à resister à l'amour sert aussi à le rendre violent et durable, et les personnes faibles qui sont toujours agitées des passions n'en sont presque jamais véritablement remplies.)


O amor, por mais agradável que seja, dá ainda mais prazer pelas formas com que se mostra do que por si mesmo.

(L'amour, tout agréable qu'il est, plaît encore plus par les manières dont il se montre que par lui-même.)

É mais fácil contrair uma paixão enquanto ainda temos no peito os restos de uma antiga do que quando estamos bem curados.

(Quand on a le coeur encore agité par les restes d'une passion, on est plus près d'en prendre une nouvelle que quand on est entièrement guéri.)

O ciúme é o maior de todos os males, e o que causa menos piedade a quem o provoca.


(La jalousie est le plus grand de tous les maux, et celui qui fait le moins de pitié aux personnes qui le causent.)

sábado, novembro 05, 2005

sangue de golias miranda tem poder


Ah, o paralelo entre casamentos e blogs! Nos primeiros meses, nada nos tira de cima deles; são duas, quatro, seis blogadas por dia. Passa o tempo; vem a rotina; as postagens diminuem, e chega a hora em que nem um Kama Sutra inteiro de novas posições para blogar consegue ressucitar o élan inicial (agora mesmo estou com o nariz na minha coxa, o cotovelo na barriga e a língua no joelho, na vã tentativa de "apimentar a relação" ao som de Sade). E então, imperceptivelmente, o blog vai ficando lá, uma esposa, uma peça constante, fundamental, mas meio morna, na vida da criatura - o que, acredite, é bom: passar a vida toda tendo calafrios de paixão irreprimida só é ideal de felicidade para secretária solteirona. Finalmente se tem serenidade para ficar longe dele; se estender em reunião de trabalho até as 9 da noite e não chegar a tempo pro jantar, digamos. Ou, se formos menos burocratas, para uma ou outra infidelidade, tipo não postar para ficar comendo bala Xaxá, ou para ler saga de família inglesa.

Andei tendo amantes de luxo. Nada de perder tempo com poema feminista e romance introspectivo - romance introspectivo é como ir pra cama com prostituta desdentada. Acabei ontem mesmo "Brideshed Revisited", de Evelyn Waugh, e valeu cada bloody second em que não estive com você, minha querida Amélia. Mas são as comunidades de Golias Miranda no orkut que mais me tomam tempo - sim, aquelas amantes traquinas, serelepes e brejeiras, que te agarram pelo paletó quando você está saindo do quarto e te pedem para ler só mais um tópico sobre ídolos afro-góticos. Olhem só as fotos delas que eu trago na carteira:

Meta: pôr Eno na caneca do Jô







Afro-Gótico

(comunidade que trazia uma das melhores descriçõesque já li: "Góticos branquelos, saiam daqui, vocês estão embranquecendo o ambiente!", algo assim.)






Quem tem Alzheimer vive em dobro

Comunidade para quem sofre de alzheimer, conhece quem sofra ou simpatiza com esse tesouro dos céus.
— Mas Heibe, você já me abraçou esta noite!

— Hahahaha! Nem me fale


E depois tem quem traia seu blog com o Saramago - aquela sirigaita lisboeta e bigoduda.


quarta-feira, novembro 02, 2005

dr. de lemos' orthodoxy pills


Materialismo e irracionalismo freqüentemente se misturam num quibebe mental estrombótico. É só pensar na ginástica conceitual que materialistas fazem para explicar eventos sobrenaturais. Pessoas vêem rostos se formando em tevês desligadas; uma tia recém-falecida aparece em sonhos exatamente iguais para várias pessoas numa mesma noite; ondas de perfume invadem out of nowhere salas em que um ano antes se velaram velhinhas, e todo o mundo prefere acreditar em ondas cerebrais, coincidências de romance burlesco e os insuportáveis 90% de capacidade cerebral inutilizados durante a vigília. Menos obscurantista acreditar que os mortos nos visitam.

Muito estranho: uma explicação materialista, por mais vaga que seja, tem mais crédito do que uma simples e sólida explicação sobrenatural. L'air du temps, decerto. Ou então usaram tanto a bloody navalha de Occam, que ela perdeu o fio.

segunda-feira, outubro 31, 2005

A Passante

(E continua minha sina com a macaca Olga.)

Spiritus Mundi? - Um fantasma.
O mundo morreu, e de asma
Crônica, seca - um chão no estio:
Olga, a prisioneira, fugiu.

Desde então, as ruas - artérias
De um peito enfermo - são etéreas
Projeções do que não mais há
Em que eu... - Mas lá! - Quem será?

Na Teeladen - "one of those bells..."
Surge a Passante inesperada;
"Enfim uma fêmea sem nada
De pelos!" - E um coque, e três véus!

"Ça vous plaît?", de perto, lhe digo.
Pois ela espreita um pão-de-ló;
"Um dom do teu fiel Rodrigo..."
Ela ri, abre o leque e só

Faz que sim; meu pau se dilata
(O mundo respira: um pulmão!);
Trago o pão - ela, muito grata,
Vira, tira os véus - e é um cão.

sábado, outubro 29, 2005

ars amatoria


Se normalmente não se deve levar a sério confissões de amor, tão menos depois de uma gozada. No mais das vezes, um "eu te amo" aí não passa de um "muito obrigado", só que mais solene.

sexta-feira, outubro 28, 2005

uma noite na ópera


E ao final do Tannhäuser, quando os intrumentos se calaram, quando o silêncio tenso explodiu em palmas, quando, da massa amorfa da platéia, eclodiram os primeiros "bravo!" de tradição, berraram do fundo do teatro:

- TOCA RAUL!

Os músicos se entreolharam, sem jeito. E os violinos começaram os primeiros acordes de "Gita".

- A fudê, caralho! - a velhinha ao meu lado mexeu o quadril, numa furumfada.

terça-feira, outubro 25, 2005

indies on fire


Strokes hoje à noite. Vou, e a caráter. Até porque a roupa é fácil (e seguem piadas sobre terninhos infantis e calças encolhidas na secadora. Constrangimento entre os leitores; dois blogueiros me deslinkam). Só o penteado complica. Ah, a precisa e contraditória arte de despentear o cabelo! Duas horas e um tubo de laquê. Mais fácil escalpar um amigo indie e fazer uma peruca.

*

Além de terem elevado a arte do oxímoro camoniano ao couro capilar, os Strokes também fizeram as fotos mais enlouquecidas e despirocadas e cheias de revolta que já apareceram no mundo anglo-saxão desde a ascensão de Eduardo VII ao trono da Inglaterra. Tudo regado a Toddyinho, bien entendu. Aquelas caras de ressaca, aqueles olhinhos vermelhos, grogues, meio cerrados; efeitos colaterais da ingestão excessiva de Neston com banana amassada. Dona Nhá-Nhá, ama-de-leite da família Donald Trump, sentava num mochinho durante as sessões fotográficas para "Is This It?" e brincava de aviãozinho com os meninos.

Mas os clipes são o melhor. Toda a espontaneidade da juventude rebelde e sem perspectiva está sintetizada naquela cena de "Last Nite" em que Julian Casablancas quebra o microfone no palco. Rock'n'roll é isso aí. Precisou só de 40 minutos de ensaio para um resultado tão perfeito. E convincente - convincente como aquelas bichas que vão aprender desapego material na Índia, e voltam de cajado, sandália de couro e óculos Dolce & Gabbana.

*

The Strokes. Mais uma manifestação da grande-mãe Farsa da Indústria Fonográfica, alguém vai dizer. But who cares, meu leitor adorninho, who cares?

domingo, outubro 23, 2005

mário quintana


Mário Quintana era tão bom quanto pouco respeitado. Alguma crueldade explícita a mais, um bom número de reticências e pontos de exclamação a menos e dois ou três cadáveres de criança por lauda, e teríamos um Saki, um Evelyn Waugh na poesia brasileira. Sim, leitora amiga, adoro paralelos exagerados. Mas é fato que Mário Quintana era um dos poucos escritores brasileiros, e o único poeta brasileiro, que sabia escrever com ironia, com maldade. É só comparar com a colegial Carlotta Drummond de Andrade escrevendo crônica.

Isso tudo ficou claro para mim não num poema, mas numa carta de resposta a um crítico. O caso aconteceu na Província de São Pedro, revista em que colaborava gente como Paulo Rónai e Otto Maria Carpeaux, e que está totalmente digitalizada em www.ipct.pucrs.br/letras/saopedro/index.htm . Em 1945, James Amado - marxista e irmão daquele, daquele mesmo, o Avatar da Literatura Tropicaliente - publicou um artigo crítico sobre a poesia do Mário Quintana. Para ele, Quintana teria "perdido o bonde na poesia" porque tinha "se afastado" da sua classe, sendo "lamentável que ele não tenha se esforçado por chegar a outra classe qualquer"; afinal, como todo mundo sabe, isso "prejudica a sua arte, que toma o caráter de um derivativo, onde o artista faz jorrar a sua dor, falsa e deprimente." Outros golpes de genealidade crítica: a obviedade de que a "morte é o único assunto desses artistas (burgueses)", ou o fato ignorado só por Mecken e por meu cachorros de que "todos os autores burgueses têm em seus livros e poemas o amigo. É um sentimento que utlrapassa a nossa idéia de amigo, coisa homossexual, típica da decadência burguesa." Claro que sim. A arte burguesa era uma bicha gótica, uma traveca que dublava Siouxie and The Banshees em palco de inferninho nos 80's, sim, sim.

Agora, a resposta de Mário Quintana no número posterior:
"BILHETE AO JAMES

(..)

Li com espanto e apreço o ensaio que V. remeteu à PROVÍNCIA DE SÃO PEDRO e no qual tem a bondade de me avisar de que tomei o bonde errado em poesia. Apressei-me então em ver o que têm feito os poetas que, segundo V., tomaram o bonde certo. Eis don Pablo Neruda: publica ele, numa revista nossa, um ode à sra. mãe de Luiz Carlos Prestes. Abro outra revsita e surge-me Camilo Jesus, com um poema para "Anita Leocádia", filhinha de Luiz Carlos Prestes. Desconsolo-me. Vejo que cheguei tarde, muito tarde. Agora só me restam as tias do sr. Luiz Carlos Prestes...

Mas quero crer que não é bem isso o que V. deseja, e que o próprio sr. Luiz Carlos Prestes será o primeiro a ficar constrangido com essas coisas. Pelo que entendi, quer V. que nós, os poetas, nos limitemos a cantar as reivindicações sociais da nossa época. Não, isto não é negócio para nós, seu James! Pois em vista da projeção nacional do sr. Prestes e da eficiente atividade de adeptos tão sinceros e convictos como V. e os demais camaradas seus, é de crer que muito em breve a questão social estará resolvida no Brasil. E o que vai ser de nós então, os poetas brasileiros? Ficaremos irremediavelmente a pé, sem bonde nenhum, certo ou errado...

Mas felizmente não é bem assim. Há outras coisas, as coisas eternas, que não se resolvem nunca, graças a Deus: estrelas, grilos, penas de amor, anjos, nuvens, mortos, arroios, todas as paisagens, alegrias e tristezas deste e de outro mundo. Há outras coisas... como aliás já dizia o assaz citado Shakespeare: There are more things in heaven and earth, Horatio, than are dreamt of in your philosophy, o que, trocado em bom português atual, dá o seguinte: Há mais coisas no céu e na terra, ó James, do que sonha o materialismo dialético.
Sem mais, disponha, etc."

sexta-feira, outubro 21, 2005

o meu nirvana blasé


Quase nada me irrita. Passo dias e dias em casa, de monóculo e roupão e pantufa de bichinho, olhando com cara de impassível desprezo para o samsara de grosseria que se repete ao infinito lá na rua.

Mas meu nirvana blasé tem limites: por exemplo, gente que acha Proust "interessante". Ah, estas palavras higiênicas! Um carburador pode ser interessante; estrutura de romance vanguardista pode ser interessante; até um molusco pode ser interessante - vejam! limpo o monóculo e tem uma lesma no meu jardim, de all-star e franjinha e casaco adidas, lendo o ciclo de Albertine e suspirando: "Oh, mas que coisa chata!" Sim, sim; viram como é muito fácil? É só ler e dizer o que acha. Só que até lesma faz assim, e tem crítico de arte que não consegue.

Daí a regra: se você gostou de Proust, diga algo como "excelente", e sem justificativas abichonadas: "Me identifiquei muuuito!"; "Me tocou por-den-tro...". Se não gostou, massacre. Porque literatura é pretexto para odiar sem culpa ou amar sem receio; afinal, poucos escritores se ferem com nossos ódios, e livros quase nunca traem quando seguros do amor alheio. Então chame Proust de "Lya Luft high-brow", de "Balzac sonífero"; choque um aficcionado dizendo que o melhor em "À la Recherche" é poder trocar todos os volumes por meia dúzia de Agatha Christies. Ou simplesmente troque todos os volumes por meia dúzia de Agatha Christies. Enfim, qualquer coisa, menos avaliar a contribuição de Proust para a teoria do romance e disfarçar insensibilidade com enrolação pseudocientífica.

quarta-feira, outubro 19, 2005

grito dos excluídos:



"Eu quero é tchic-tchic-tchi-tchic-tá!"

segunda-feira, outubro 17, 2005

a tea with olga

É - a Criação tem câncer de mama.
A xícara se adapta mal na fuça.
Olga tenta tomar chá, e o derrama
Pelos cantos do beiço, e então soluça.

Cada gota que cai sobre o carpete,
Como os dentes do dragão, gera um homem;
Dum gole vêm mil mirmidões-coquete
Que se matam num charleston, e somem.

No Ritz, na entrada do Ritz, as senhoras
Riam em Si da minha amante estoa:
"Belos modos para o chá das seis horas!" -
Disso eu ri - o que Olga não perdoa;

(A etiqueta eupátrida, etc.)

Ela urrou, deu um pulo - o rabo em riste
Contra a prata e a porcelana, e isto é tudo:
Sumiu com um dos mirmidões. - Que triste
O desamor por falta de um canudo!

sexta-feira, outubro 14, 2005

shall we dance?


Um gordinho sem camisa ensaia passos de sapateado no prédio ao lado. Sempre pensei que musicais eram só coisa de velha, de veado ou de veado velho (ou veado-velha, whatever). Tenho de incluir mais uma categoria: gordos de boné e meia soquete e short de time de futebol, dançando "Singing in the Rain" no quarto enquanto a empregada limpa a cozinha.


For I'll be there
Puttin' down my top hat
Mussin' up my white tie
Dancin' in my tails
*


É que musicais são um dos gêneros cinematográficos mais desvalorizados atualmente. Até pornochanchada vende mais. E mesmo admiradores parecem sempre a ponto de incluir um "pode acreditar" quando dizem que gostam. Efeito dos sixties: foi na década maldita que se difundiu a reação contra gente com mais de 30 e cenários de filme do Vincente Minnelli. De repente, as pessoas começaram a se sentir culpadas por serem classe média (pressão do marxismo, este cristianismo sem glamour), e o ideal de cinema deixou de ser Gene Kelly - bonito, engraçado e heartbreaker, para ser Godard - feio, resmungão e de certo meio brocha. Enfim, cinema cabeça não é cinema, é auto-penitência. Mas, o que era cultura virou contracultura, e enquanto indies fazem teses e teses sobre nouvelle vague, nós, os excluídos - "as velhas! os gays! os gordos bobos!" -, nos deliciamos ao ver os figurantes surpresos com Fred Astaire dançando na cadeira de engraxate em "The Band Wagon".

*


Revi "Singing in the Rain" noite passada. Sim, todo; inclusive Aquela Cena (a "Satisfaction", a "What a Wonderful World" dos musicais). E quis que me acontecesse o que acontece àqueles figurantes; cruzar uma esquina numa noite chuvosa e dar de cara com Gene Kelly sapateando com um guarda-chuva. Está chovendo; à noite eu talvez saia. Mas o máximo que me espera é camelô vendendo sombrinha, ou uma traveca fazendo ponto na Assis Brasil. Well, se eu cantar "Good Morning" e ela fizer uma dancinha sensual embaixo da marquise, já fico satisfeito.

quarta-feira, outubro 12, 2005

betina highway e o quilombo encantado


Um sabiá levantou vôo; um arbusto se mexeu, e do matinho raso surgiu Betina Highway, lingüista e mãe de três filhos. O uniforme camuflado, o galho na cabeça e o carvão preto na bochecha deixavam claro: estava em missão delicada. Tinha se embrenhado no interior do Amapá; há alguns anos corriam boatos de que nos recônditos da selva equatorial se escondia uma espécie de futuro ativo com gerúndio, agora em extinção.

Examinou com o binóculo a paisagem verdejante: via os telhados das ocas e o totem de uma telecom desconhecida apontando, ereto, para o céu. Não pôde se conter: bateu palminhas de alegria. Após dias de caminhada, tinha chegado finalmente ao lendário quilombo das operadoras de telemarketing. Conta-se ser o último povoado que sobreviveu a anos de treinamento exaustivo, no qual gerentes obrigavam à base do relho estagiárias emocionalmente frágeis a empregar o futuro simples durante o horário do expediente. Um grupo de estagiárias carentes entrou, então, em motim e fugiu para a selva, onde, diz a lenda, fundaram um quilombo em que a propriedade é coletiva, a religião é matriarcal e as pessoas "vão estar fazendo" o que bem quiserem, desde que "não estejam prejudicando" ninguém.

Betina tocou o apito. Do meio do matagal, surgiram seus mestrandos em roupa de safari, meio entediados; tribos de negrinhos semi-nus contratados vinham carregando bagagens, e meia-dúzia de elefantes cambaleavam cabisbaixos pela sintaxe gerativa sob quarenta e três graus e alguns exércitos de moscas. A expedição a postos, todos se dirigiram para a aldeia.

Silêncio. Espiaram a primeira oca: apenas utensílios domésticos espalhados, um cão magro com parkinson e um pilha de romances Sabrina ao lado da cloaca. O mesmo na segunda, o mesmo na terceira oca, e assim por diante. À medida que se aproximavam do centro da povoação, viam ossos quebrados e esqueletos com restos de peruca; alguns conservavam ainda os terninhos azul-marinho do uniforme. Os sinais eram claros demais: alguma coisa de terrível havia acontecido no povoado: uma epidemia, uma guerra, uma invasão de povos avizinhados. Betina estava aterrada; conseguira cinco bolsas do CNPQ para ver esqueletos mal vestidos? Talvez tivesse que adulterar os dados novamente no relatório desse ano.

Chegaram, então, ao centro da aldeia. Pararam em frente à oca mais alta: "Só pode ser a da operadora-pajé", disse um dos seus mestrandos, carcomido de bexigas. Dentro, viram as cenas mais atrozes: imagens de unicórnios new age cobriam as paredes; bonecos com fotos de ex-namorados jaziam furados por agulhas de tricô; o que antes fora uma fogueira não era mais que um fogo morto, e em frente ao carvão, uma caveira coberta de colares e penas e amuletos orientais segurava um giz de cera sobre um papel de carta em que se lia:

OS AMERICANOS NÃO TÊM NADA A VER COM FUTURO COM GERÚNDIO, CARALHO!

Betina Highway bateu uma foto, emocionada; estava mais do que nunca convencida da importância civilizatória da lingüística. Já não precisaria adulterar o relatório.

segunda-feira, outubro 10, 2005

un prétexte pour faire des vers


"Il aime mieux être assis que debout, couché qu'assis. C'est une habitude prise quand la mort vient nous coucher pour toujours. Il fait des vers pour avoir un prétexte de ne rien faire, et ne fait rien sous prétexte que'il fait des vers."


(
Théophile Gautier, se apresentando no prefácio a "Albertus")

sexta-feira, outubro 07, 2005

óculos espelhado, botinha de cowboy e muita energia positiva


Além de roupas, existem idéias bregas - idéias que são a jaqueta do Mickey, a botinha de cowboy do intelecto. E o mais comum é as pessoas escaparem das primeiras, mas não das segundas. Portanto, é dever da amizade alertar quanto aos dois perigos: pisar nos pés do amigo por baixo da mesa quando ele diz que cada um tem seu deus interior; pedir para moderar na psicanálise heterodoxa; alertar que sapato marrom não combina com energia positiva. Toques sutis que preservam nossos próximos de um bom número de faux-pas, como sandálias, tênis com sobretudo e teorias de aspirante a psicólogo.


Duas garotas wicca acompanhadas pelo psicanalista new age (de sunga e peito peludo) e pelo deus interior (ao fundo, preparando uma caipiroska, or something).

terça-feira, outubro 04, 2005

não deixa ele engolir a língua!


Ao lado do gênio laureado, do gênio mau-caráter e do gênio incompreendido, Glauber Rocha contribuiu com mais uma categoria para este hall de clichês: o gênio epilético. Ou melhor, a epilepsia do Gênio. O Gênio se contorsendo e se debatendo e se babando todo, tentando proferir frases solenes sobre a função do artista na sociedade de mercado enquanto alguém mete o dedo na sua boca para segurar a língua.

"Terra em transe", por exemplo. À primeira vista, um filme com belas imagens, algumas geniais, até. Coisas do tipo: Clovis Bornay, numa fantasia galinha preta deluxe, pondo na cabeça de Paulo Autran uma coroa de bijuteria kitsch, freddiemercuryanamente kitsch. A história, tão familiar, se passa num país imaginário, onde um candidato populista se alia à direita malvadona para ganhar a eleição que o leva à presidência. No fim, acaba sofrendo um golpe de Estado (ah, essa moda sixties de Pepino di Capri, cabelo com bombrill e golpes de Estado!). Até aí, molto mi piace. Mas não sei por quê, se Glauber Rocha olhou fixamente para uma estrobo, se esqueceu o horário do remédio; o fato é que os personagens passam o filme inteiro berrando coisas constrangedoras: "A luta de classes existe; de que lado você está?" ou "Eu morro pelo triunfo da Beleza e da Verdade!". Enfim, diálogos de quem não toma Gardenal, e precisa. "Terra em transe" seria perfeito em árabe ou bantu, e sem legenda.

Agora, tirando essas coisas, eu gosto de Glauber Rocha. Epiléticos fora de crise são tratáveis - apesar de eu lhe atribuir "fora de crise" mais por dedução do que por já tê-lo visto sem espumar saliva branca. Só não gosto mesmo de quem leva o que ele dizia a sério, de quem tentar filmar como ele a sério, de quem fala que gosta "do Glauber" a sério, e de outros portadores muito sérios de trissomia no cromossomo 21.


Segura a língua dele!: gênio epilético ou epilepsia do Gênio?


sábado, outubro 01, 2005

a macaca olga no museu

Olga passeava no museu,
Enquanto eu nos salões a seguia;
“As virtudes de um reles cristão
Não valem kaloì kaì agathía.”

Foi nisso que pensei quando vi
Sua cara de macaca, estóica
Como um deus que despreza os mortais
Na pose de uma planta monóica.

Tudo o que era beleza e vigor
Tinha nela um tropo simiesco;
O prazer de estar num bananal
É o mesmo que encontrava no afresco

Em que via, Ecole de Poussin,
Cenas de coragem coriolana
Com heróis, que lhe deviam ser
Só metáforas de uma banana.

Ça vous plaît?”, mais perto, perguntei,
Pois Olga farejava a pintura;
Pisquei, dei-lhe um cravo e recebi
O escarro que é o “sim” da casta pura.

(A etiqueta eupátrida é tão dura!)

Com isso, o seu beiço entumesceu,
E a beijei, ao que enxerguei de esguelha
A tal dissecação, de Rembrandt,
E um Amor picado de uma abelha.

quinta-feira, setembro 29, 2005

bom gosto às colheradas


Bom gosto em excesso é enjoativo, e quase tão constrangedor quanto absoluta falta de. Pessoas impecáveis na sua torre de cd's me parecem aquelas crianças gordotas e sem modos, que descobrem uma lata de leite condensado no armário e comem tudo de uma sentada. Alguns filisteus, quando descobrem o bom gosto, também são assim: lambuzam a cara e saem para a rua, mostrando que agora eles são iguais a gente grande.

Claro, não é que eu seja contra o bom gosto. Muito godardzinho nutrir eterno desprezo pelo que é agradável. Mas alguns seres são tão irretocáveis, tão perfeitinhos nas suas predileções, que sempre me parecem errar na quantidade de leite condensado que consomem. Eles falam entusiasticamente de bossa nova, e átomos de glicose invadem a minha boca, arranhando as paredes da garganta e arrepiando meus pelinhos do baixo-ventre.

Além disso, desconfio da falta de erros desta gente. É como em religião: só se chega a um sentimento cristão profundo depois de muitos percalços. E tão fácil quanto cristianismo de fachada é adquirir o kit "be cool" Hugo Boss-loft-trompetinho. Estou agora mesmo olhando os meus cd's, e - Deus! - quantos erros nestes 24 anos de vida! "Let There Be Rock", do AC/DC; ao menos dois álbuns do U2; trilha sonora de filme da Tina Turner, e quatro, QUATRO discos de rock nacional. De fato, aprender a ter gosto é mais ou menos como ascese religiosa, e o caminho que leva até "Station to Station" é tortuoso, irmãos. Eu mesmo me sinto agora como Santo Agostinho, já católico, lembrando-se com vergonha da época em que foi pagão e maniqueu.

Enfim, quem não é capaz de um pouco de mau gosto também não é capaz do verdadeiro bom. Mas vos poupo de mais um aforismo. Acabo de cair em tentação; vou passar a tarde comendo Trakinas e assistindo ao dvd dos "Incríveis", edição de colecionador.

terça-feira, setembro 27, 2005

0900 disk-hollow-man



"Um monarquista em política, um classicista em arte e uma louca entre quatro paredes." (T. S. Eliot, em estranho sincretismo.)

domingo, setembro 25, 2005

"the river-merchant's wife", ezra pound


The River-Merchant's Wife: A Letter


While my hair was still cut straight across my forehead
I played about the front gate, pulling flowers.
You came by on bamboo stilts, playing horse,
You walked about my seat, playing with blue plums.
And we went on living in the village of Chokan:
Two small people, without dislike or suspicion.

At fourteen I married My Lord you.
I never laughed, being bashful.
Lowering my head, I looked at the wall.
Called to, a thousand times, I never looked back.

At fifteen I stopped scowling,
I desired my dust to be mingled with yours
Forever and forever and forever.
Why should I climb the lookout?

At sixteen you departed,
You went into far Ku-to-en, by the river of swirling eddies,
And you have been gone five months.
The monkeys make sorrowful noise overhead.

You dragged your feet when you went out.
By the gate now, the moss is grown, the different mosses,
Too deep to clear them away!
The leaves fall early this autumn, in wind.
The paired butterflies are already yellow with August
Over the grass in the West garden;
They hurt me. I grow older.
If you are coming down through the narrows of the river Kiang,
Please let me know beforehand,
And I will come out to meet you
As far as Cho-fo-Sa.


By Rihaku

(Esta preciosidade está em Cathay, livro em que Pound faz paráfrases de poetas chineses tradicionais. Excelente para conhecer o Ezra Pound pré-Cantos. E muito, muito bonito: sempre tremo o beiçinho, numa careta de emoção contida, ao ler o verso "Two small people, without dislike or suspicion". Só "Where Did Our Love Go?", das Supremes, consegue mais.)

sexta-feira, setembro 23, 2005

porque a academia é feita de idéias e modas



IN:

-indefinibilidade;
-estudos culturais;
-pele sintética;
-Galliano (ou Wittgenstein, com poucos acessórios.)


Novas tendências da esquizoanálise (primavera-verão 2005).

OUT:

-estruturalismo;
-Vive la Fête;
-Skinner ("behaviorismo caiu junto com o revival da moda disco, no meio dos nineties", by Cristina Franco);
-pentados B-52's.


Ah, esses behaviouristas.

quarta-feira, setembro 21, 2005

la rochefoucauld on love (II)


Mais máximas de La Rochefoucauld sobre o amor. Vou insistir até que vocês aprendam.

*********************

Existe no ciúme mais amor-próprio do que amor.

(Il y a dans la jalousie plus d'amour-propre que d'amour.)

Se alguém acredita amar a sua amante por amor a ela mesma, está bem enganado.

(Si on croit aimer sa maîtresse pour l'amour d'elle, on est bien trompé.)

Enquanto se ama, se perdoa.


(On pardonne tanto que l'on aime.)

O ciúme sempre nasce com o amor, mas nem sempre morre com ele.

(La jalousie naît toujours avec l'amour, mais elle ne meurt pas toujours avec lui.)

É mais difícil sermos fiéis à nossa amante quando estamos felizes do que quando somos mal-tratados.


(Il est plus difficile d'être fidèle à sa maîtresse quand on est heureux que quand on est maltraité.)

No amor, a traição quase sempre vai mais longe que a desconfiança.

(Dans l'amour la tromperie va presque toujours plus loin que la méfiance.)

Há um certo tipo de amor cujo excesso impede o ciúme.

(Il y a une certaine sorte d'amour dont l'excès empêche la jalousie.)

Quem ama duvida com freqüência daquele em quem mais crê.

(Quand on aime, on doute souvent de ce qu'on croit le plus.)

Um cavalheiro pode se apaixonar como um louco, mas nunca como um bobo.

(Un honnête homme peut être amoureux comme un fou, mais non pas comme un sot.)

As infidelidades deveriam acabar com o amor, e o bom seria não termos ciúme quando temos motivos para tanto. Somente quem evita causar ciúme é digno do mesmo.

(Les infidélités devraient éteindre l'amour, et il ne faudrait point être jaloux quand on a sujet de l'être. Il n'y a que les personnes qui évitent de donner de la jalousie qui soient dignes qu'on en ait pour elles.)

A maioria das mulheres chora a morte de seus amamtes não tanto por tê-los amado, mas por parecerem mais dignas de o serem.

(La plupart des femmes ne pleurent pas tant la mort de leurs amants pour les avoir aimés, que pour paraître plus dignes d'être aimées.)

Os esforços que fazemos para impedir o amor são muitas vezes mais cruéis que a frieza de quem amamos.


(Les violences qu'on se fait pour s'empêcher d'aimer sont souvent plus cruelles que les rigueurs de ce qu'on aime.)

É quase sempre culpa do amante não perceber que se deixou de amá-lo.

(C'est presque toujours la de celui qui aime de ne pas connaître quand on cesse de l'aimer.)

Quem ama muito é quase tão difícil de satisfazer quanto quem já não ama tanto.

(On est presque également difficile à contenter quand on a beaucoup d'amour et quand on n'en a plus guère.)

Às vezes, somos menos infelizes sendo enganados por quem amamos do que sendo desenganados.

(On est quelquefois moins malheureux d'être trompés par ce qu'on aime, que d'en être détrompé.)

Ficamos um bom tempo com nosso primeiro amante, quando não achamos um segundo.

(On garde longtemps son premier amant, quand on n'en prend de second.)

Os esforços que fazemos para continuarmos fiéis a quem amamos não valem muito mais do que uma infidelidade.


(La violence qu'on se fait pour demeurer fidèle à ce qu'on aime ne vaut guère mieux qu'une infidélité.)

O perigo mais ridículo aos velhos que já foram capazes de suscitar paixões, é esquecerem o fato de não mais o serem.

(Le plus dangereux ridicule des vielles personnes qui ont été aimables, c'est d'oublier qu'elles ne le sont plus.)