terça-feira, outubro 04, 2005

não deixa ele engolir a língua!


Ao lado do gênio laureado, do gênio mau-caráter e do gênio incompreendido, Glauber Rocha contribuiu com mais uma categoria para este hall de clichês: o gênio epilético. Ou melhor, a epilepsia do Gênio. O Gênio se contorsendo e se debatendo e se babando todo, tentando proferir frases solenes sobre a função do artista na sociedade de mercado enquanto alguém mete o dedo na sua boca para segurar a língua.

"Terra em transe", por exemplo. À primeira vista, um filme com belas imagens, algumas geniais, até. Coisas do tipo: Clovis Bornay, numa fantasia galinha preta deluxe, pondo na cabeça de Paulo Autran uma coroa de bijuteria kitsch, freddiemercuryanamente kitsch. A história, tão familiar, se passa num país imaginário, onde um candidato populista se alia à direita malvadona para ganhar a eleição que o leva à presidência. No fim, acaba sofrendo um golpe de Estado (ah, essa moda sixties de Pepino di Capri, cabelo com bombrill e golpes de Estado!). Até aí, molto mi piace. Mas não sei por quê, se Glauber Rocha olhou fixamente para uma estrobo, se esqueceu o horário do remédio; o fato é que os personagens passam o filme inteiro berrando coisas constrangedoras: "A luta de classes existe; de que lado você está?" ou "Eu morro pelo triunfo da Beleza e da Verdade!". Enfim, diálogos de quem não toma Gardenal, e precisa. "Terra em transe" seria perfeito em árabe ou bantu, e sem legenda.

Agora, tirando essas coisas, eu gosto de Glauber Rocha. Epiléticos fora de crise são tratáveis - apesar de eu lhe atribuir "fora de crise" mais por dedução do que por já tê-lo visto sem espumar saliva branca. Só não gosto mesmo de quem leva o que ele dizia a sério, de quem tentar filmar como ele a sério, de quem fala que gosta "do Glauber" a sério, e de outros portadores muito sérios de trissomia no cromossomo 21.


Segura a língua dele!: gênio epilético ou epilepsia do Gênio?


4 Comments:

Blogger Odorico Leal said...

Eu nunca vi nenhum filme do Gênio em questão. Os personagens gritam mesmo que há uma luta de classes e que é preciso dizer de que lado você está? Nossa, nossa.

Assisti ontem ao "O homem que sabia demais", Doris Day, ao piano, "What will be, will be". Prefiro.

Abraço,

6:00 PM  
Blogger rodrigo de lemos said...

não TE recomendo ludovico, mas se a curiosidade for maior que a prudência, sugiro que tire o som do filme e ligue bem alto a doris day "Whatever will be, will be".

"uma colagem pós-moderna, sacou, cara?"
;-)

abraço

11:51 AM  
Anonymous Anônimo said...

imagem.. espelho..personagem
quem escreve seu Lemos?
E quem TE escreve?

4:09 PM  
Blogger Paulo Oliveira said...

Bom Dia!

Venho por este meio informar a existência de Associações que tendo como principal objectivo dar resposta às necessidades das pessoas com epilepsia podem lhe ser uteis:

www.lpce.pt
www.epi.do.sapo.pt

Os meus blogs pessoais que também são sobre esta patologia:

www.epilepsiasociedade.blogspot.com
www.epilepsia.blogs.sapo.pt

3:39 AM  

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