segunda-feira, novembro 28, 2005

and he remembers roxy music in 1972

sábado, novembro 26, 2005

quatro pontos de lingüística no lábio inferior


Era quase meia-noite e eu me divertindo na academia, quando estoura um gancho no meu aparelho, o cabo de aço salta pra longe, e a barra que eu puxava tem a descortesia de me vir direto na boca sem nem perguntar meu nome ou me pagar um Martini - também, com aqueles mais de 30 quilos, o programa não saía por menos de 60R$. De qualquer jeito, tudo muito engraçado; finalmente consegui cantar "Bela Lugosi's Dead" com a boca empapada de sangue. Só o embaraçoso de depois, ser costurado sob uma burca hospitalar enquanto George Michael canta "Careless Whisper" em som ambiental de enfermaria is not my idea of heaven. E agora esses pontos no lábio! - coisa mais Billy Idol.

Por isso estou brabo, muito brabo com qualquer coisa que tenha mais de trinta quilos - uma kombi, um mamute, você, a humanidade inteira (ok, ok, menos os somalianos); vejam!: estou olhando para a câmera debaixo pra cima, tremendo o lado direito do meu beiço como Elvis em filme no Havaí.

E quando fico brabo, muito brabo, tenho vontade de falar em lingüística. É inexplicável; meu irmão come sozinho minha caixa de Ferrero Rocher, e saio por aí bufando, mostrando meu pinto tatuado com análises sintáticas de frases de Proust - e não, não, isso não é propaganda da minha percussion and drums.

O fato é que estou relendo alguma coisa de filosofia da linguagem. Perigoso para quem escreve se preocupar demais com o que é a linguagem - palhaço que pesquisa a etimologia de "marmelada", de "carequinha", acaba ficando corcunda e sem-graça -, mas è divertente, e além disso, bonito. Ciência que usa metáfora em vez de fórmula matemática perde em precisão, mas pelo menos mantém um certo charme e não carrega celular no cinto.

A teoria clássica sobre linguagem, por exemplo, é conhecida como teoria do conduto. É como se a linguagem fosse de fato um conduto em que as palavras, pacotinhos de significado, transferem conteúdos mentais de uma cabeça para outra. E se acontece algum mal-entendido, a culpa é de um dos dois: ou do emissor, que não soube fazer o pacote direito, ou do receptor, que rasgou o embrulho da Sandiz com os dentes e danificou a Base Cobra dos Comandos em Ação, sem direito a troca.

Mas como o tique mental em ciências humanas nos últimos tempos é criticar essas noções autoritárias de erro e mal-entendido, surgiu uma metáfora ainda mais engenhosa para combater a do conduto. É como se cada um estivesse encerrado no seu mundo mental, e a linguagem servisse para deixar sinais do que se passa no nosso interior - mas sem transferência de conteúdos mentais. A imagem é bonita, vejam só: cada um de nós está sozinho num ambiente que só tem um elemento: terra, água, grama, milhopã. A única maneira de trocarmos informações é um pequeno buraco na parede, que nos comunica com o nosso vizinho, e através do qual podemos passar papéis. Certo dia, um de nós - sei lá, o do milhopã - inventa um aspirador de salgadinhos ruins. Ele decide passar a invenção adiante. Então, escreve as instruções num papel e passa pro vizinho ao lado - o sujeito que vive numa selva de samambaia. Ora, esse não conhece milhopã, só conhece samambaia. Mas acontece que piolhos invadiram aquela selva de sala de avó, e ele interpreta o coletor de salgadinho-isopor como uma maquininha de dar eletrochoque em piolho de samambaia. Vai lá e faz o seu próprio aparelhinho, mas baseado nas instruções do outro. Feliz com o sucesso, ele passa o invento para o próximo vizinho - o habitante do mundo do chá de coca, que anda às voltas com uma invasão de traficantes colombianos. Portanto, logo a maquininha de eletrochoque em piolho de samambaia vira uma cadeira elétrica para cartelista bigodudo, para logo após virar um triturador de pézinhos infantis, um masturbador felostático Walita.

Enfim, estamos todos presos no nosso mundo mental; comunicação completa não é possível, e só nos resta mandar para os outros sinais do que eles nunca vão saber, e do que nunca vamos saber o quanto eles realmente sabem - tudo que está atrás da barreira dos dentes, homericamente falando.

Concordo com a metáfora - não sei se porque é verdadeira, se porque é bonita, ou se porque todo mundo que fez duas ou três cadeiras duma disciplina acaba relacionando a verdade de uma teoria com a distância que ela toma do senso comum. O fato é que tem quem viva em ambientes onde quase tudo é art déco e comestível e lembra Ginger Rogers; tem quem viva em grandes salões vazios, sem música e sem comida e com lâminas de pedagogas em retroprojetor; tem também quem viva num quartinho de pensão, com restos de pizza mofada no carpete, ouvindo Van Halen e com posters de Yoná Magalhães nua na parede. E quando um bilhetinho de 300 páginas vindo de um escritor sobre "como é a vida" chega pelo buraco na parede, as impresões variam do entusiasmo à anodia, conforme o ambiente mental. As do cara da Yoná Magalhães, por exemplo, são de que Lucien de Rubempré era veado e de que Bentinho só podia ser corno manso mesmo. Não que sejam impressões ruins - mas tem jeitos mais art déco de dizê-las.

quarta-feira, novembro 23, 2005

right said fred


Se a proliferação de blogs enfestou nossas vidas com textos ruins, a proliferação de máquinas digitais teve o mesmo efeito com imagens embaraçosas. Aqueles 20 centavos por revelação eram higiênicos! Porque não, não foi só o álbum da sua tia no Pantanal que cresceu em progressão geométrica - de 2 fotos do jacaré Paçoquinha para mais de 24; também os álbuns narcisistas do Orkut agora se alimentam de umbigos e peitinhos e mamilos digitalizados. A definição mais perfeita de um álbum narcisista no Orkut é a de uma coleção de imagens feias sobre corpos bonitos. Quantas vezes já não desliguei o celular para affairs que eu vi em fotos no day-after fazendo muque pra mamãe, levantando a camisa para mostrar o abdômen logo acima de legendas singelas, "APETITOSO" ou "IRRESISTÍVEL". Muito peculiar a sensação de ter passado a noite usando a língua numa coisa irresistível - mas cheese cake de framboesa causa o mesmo prazer, e não geme alto quando comido.



*


Não, não é que eu seja contra os meninos aparecerem sem camisa no Orkut. Aliás, Platão disse tudo; meu espírito filosófico realmente se eleva ao ver imagens de efebos gremistas jogando futevôlei em Imbé. Mas hipocrisia, rapazes, hipocrisia! - este sinônimo tão comum para caluniar "civilização". Tentem não parecer tão deliberadamente sexy; é inexplicável, mas até boxeador adquire algo de feminino ao posar de tapa-sexo, fazendo beiço e carinha-de-quero-mais com o dedão na boca. Fotos casuais na praia, na piscina, casam bem as duas necessidades: mostrar o bíceps e manter um pouco da dignidade de coisa respirante. Mas, como sempre, julgo os outros por mim mesmo, e talvez dignidade não valha um scrapbook cheio de pintos.


segunda-feira, novembro 21, 2005

a-versões


Sempre sonho com versões ruins de músicas nem tanto. Acontece comigo desde que Teddy Correia fez "Astronauta de mármore" em cima de David Bowie, que os White Stripes viraram trash house rebolativo.

Noite passada aconteceu de novo: a cantora Simone fazendo a-versões de João Gilberto. Um disco inteiro. Disco de cantora quadradenta em homenagem a compositor consagrado só é homenagem se estiver escrito na capa. Senão, é crime lesa-pátria. Mais ou menos como Dalida cantando Jacques Brel, ou Céline Dion cantando Leonard Cohen.

quinta-feira, novembro 17, 2005

CLVII


"Juro dizer a verdade, somente a verdade, nada mais que a verdade" inibe a falta com a verdade nos tribunais. "Juro dizer o que penso, somente o que penso, nada mais do que penso" inibe o uso da imaginação fora deles.

segunda-feira, novembro 14, 2005

é coisa nossa


"And what a lovely morning!", exclamei como uma Debbie Reynolds no meio da Livraria Cultura. Foi hoje pela manhã. Estava lendo o último livro de Mr. Nelson Ascher e topei com um epigrama que eu bem gostaria de ter escrito; dizia que se os americanos descobrirem a cura da AIDS, tem quem vá ficar a favor do vírus.

Porque não é difícil conhecer brasileiro que defenderia o vírus. Todos aidéticos, naturalmente. Hordas e hordas de portadores de HIV se juntando em frente à embaixada americana, transbordantes de mots d'ordre e raivinha e punho em riste, gritando "O HIV é nosso!" enquanto Gegê Vargas sorri numa foto, maroto e cheio de simpatia. Ah, a heróica resistência do povo brasileiro ao invasor ianque! Sempre penso nisso ao ver camisetas "Bush is stupid" na vitrine da Elite Fashion.

Afinal, não passamos sem junk food, e as pessoas vibram com "Super Size Me"; não vivemos 100 anos contínuos de democracia, e tem quem compare Bush a Hitler. Realmente muito convincente. Mas cada um tem o anti-americanismo que merece. O clichê do islâmico é um radical barbudo queimando bandeira em Teerã. Na França, é sociólogo condenando os EUA por o que os franceses fizeram pior. Já anti-americanismo de brasileiro não é muito mais que adolescente falando mal de Bush enquanto limpa com a língua os restos de Cheddar McMelt no aparelho.

sexta-feira, novembro 11, 2005

café-crème



"Um tal Clair de Lune não fascina
Como o broche na tua lapela";
Poses, Absyntho, cocaína,
E eu: "Não vai dizer que eu sou mais bela?"

"Do que a lua? Ah, mas isso é claro!"
E maquinações de um pince-nez;
Sínteses buscando um verso raro
Para a fabricação de um clichê:

"Por isso é que fica a teu agrado
Mon coeur, ma chère, numa bandeja."
Ouve-se um garçon inesperado:
"E agora, madame, o que deseja?"

"Café-crème", eu digo, "café-crème,
E não mais le coeur deste senhor -
Órgãos à mesa ferem meu lema
De etiqueta - e a conta, por favor."

Ao que um pince-nez cai, e um tremor.

terça-feira, novembro 08, 2005

la rochefoucauld on love (3)

Depois de meses, finalmente a terceira e última parte das máximas de La Rochefoucauld sobre o amor. Ao menos as duas outras não sumiram ainda da página de abertura.



Todas as paixões nos fazem cair em erros, mas o amor nos faz cair nos mais ridículos.

(Toutes les passions nous font faire des fautes, mais l'amour nous en fait faire de plus ridicules.)

De todas as paixões violentas, a que cai menos mal nas mulheres é o amor.
(De toutes les passions violentes, celle qui sied le moins mal aux femmes, c'est l'amour.)

Na velhice da vida como na do amor, se vive ainda para os males, mas não mais para os prazeres.

(Dans la viellesse de l'amour comme dans celle de l'âge on vit encore pour les maux, mais on ne vit plus pour les plaisirs.)

Mulheres jovens que não queiram parecer coquetes e homens de certa idade que não queiram parecer ridículos nunca devem falar do amor como de algo em que possam tomar parte.

(Les jeunes femmes qui ne veulent point paraître coquettes, et les hommes d'un âge avancée qui ne veulent pas être ridicules, ne doivent jamais parler de l'amour comme d'une chose où ils puissent avoir part.)

Na amizade, assim como no amor, somos mais felizes pelo que ignoramos do que pelo que sabemos.


(Dans l'amitié comme dans l'amour on est souvent plus heureux par le choses qu'on ignore que par celles que l'on sait.)

É mais fácil para as mulheres que amam perdoar as grandes indiscrições do que as pequenas infidelidades.


(Les femmes qui aiment pardonnent plus aisément les grandes indiscrétions que les petites infidélités.)

Não faltam remédios que curem o amor, mas não existem os infalíveis.

(Il y a plusieurs remèdes qui guérissent de l'amour, mais il n'y en a point d'infaillibles.)

Nas primeiras paixões, as mulheres amam o amante; nas outras, elas amam o amor.

(Dans les premières passions les femmes aiment l'amant, et dans les autres elles aiment l'amour.)

A mesma firmeza que serve para resisitir ao amor acaba servindo também para deixá-lo mais intenso e duradouro, e os fracos que estão sempre agitados por paixões quase nunca são por elas realmente tomados.

(La même fermeté qui sert à resister à l'amour sert aussi à le rendre violent et durable, et les personnes faibles qui sont toujours agitées des passions n'en sont presque jamais véritablement remplies.)


O amor, por mais agradável que seja, dá ainda mais prazer pelas formas com que se mostra do que por si mesmo.

(L'amour, tout agréable qu'il est, plaît encore plus par les manières dont il se montre que par lui-même.)

É mais fácil contrair uma paixão enquanto ainda temos no peito os restos de uma antiga do que quando estamos bem curados.

(Quand on a le coeur encore agité par les restes d'une passion, on est plus près d'en prendre une nouvelle que quand on est entièrement guéri.)

O ciúme é o maior de todos os males, e o que causa menos piedade a quem o provoca.


(La jalousie est le plus grand de tous les maux, et celui qui fait le moins de pitié aux personnes qui le causent.)

sábado, novembro 05, 2005

sangue de golias miranda tem poder


Ah, o paralelo entre casamentos e blogs! Nos primeiros meses, nada nos tira de cima deles; são duas, quatro, seis blogadas por dia. Passa o tempo; vem a rotina; as postagens diminuem, e chega a hora em que nem um Kama Sutra inteiro de novas posições para blogar consegue ressucitar o élan inicial (agora mesmo estou com o nariz na minha coxa, o cotovelo na barriga e a língua no joelho, na vã tentativa de "apimentar a relação" ao som de Sade). E então, imperceptivelmente, o blog vai ficando lá, uma esposa, uma peça constante, fundamental, mas meio morna, na vida da criatura - o que, acredite, é bom: passar a vida toda tendo calafrios de paixão irreprimida só é ideal de felicidade para secretária solteirona. Finalmente se tem serenidade para ficar longe dele; se estender em reunião de trabalho até as 9 da noite e não chegar a tempo pro jantar, digamos. Ou, se formos menos burocratas, para uma ou outra infidelidade, tipo não postar para ficar comendo bala Xaxá, ou para ler saga de família inglesa.

Andei tendo amantes de luxo. Nada de perder tempo com poema feminista e romance introspectivo - romance introspectivo é como ir pra cama com prostituta desdentada. Acabei ontem mesmo "Brideshed Revisited", de Evelyn Waugh, e valeu cada bloody second em que não estive com você, minha querida Amélia. Mas são as comunidades de Golias Miranda no orkut que mais me tomam tempo - sim, aquelas amantes traquinas, serelepes e brejeiras, que te agarram pelo paletó quando você está saindo do quarto e te pedem para ler só mais um tópico sobre ídolos afro-góticos. Olhem só as fotos delas que eu trago na carteira:

Meta: pôr Eno na caneca do Jô







Afro-Gótico

(comunidade que trazia uma das melhores descriçõesque já li: "Góticos branquelos, saiam daqui, vocês estão embranquecendo o ambiente!", algo assim.)






Quem tem Alzheimer vive em dobro

Comunidade para quem sofre de alzheimer, conhece quem sofra ou simpatiza com esse tesouro dos céus.
— Mas Heibe, você já me abraçou esta noite!

— Hahahaha! Nem me fale


E depois tem quem traia seu blog com o Saramago - aquela sirigaita lisboeta e bigoduda.


quarta-feira, novembro 02, 2005

dr. de lemos' orthodoxy pills


Materialismo e irracionalismo freqüentemente se misturam num quibebe mental estrombótico. É só pensar na ginástica conceitual que materialistas fazem para explicar eventos sobrenaturais. Pessoas vêem rostos se formando em tevês desligadas; uma tia recém-falecida aparece em sonhos exatamente iguais para várias pessoas numa mesma noite; ondas de perfume invadem out of nowhere salas em que um ano antes se velaram velhinhas, e todo o mundo prefere acreditar em ondas cerebrais, coincidências de romance burlesco e os insuportáveis 90% de capacidade cerebral inutilizados durante a vigília. Menos obscurantista acreditar que os mortos nos visitam.

Muito estranho: uma explicação materialista, por mais vaga que seja, tem mais crédito do que uma simples e sólida explicação sobrenatural. L'air du temps, decerto. Ou então usaram tanto a bloody navalha de Occam, que ela perdeu o fio.