o meu nirvana blasé
Quase nada me irrita. Passo dias e dias em casa, de monóculo e roupão e pantufa de bichinho, olhando com cara de impassível desprezo para o samsara de grosseria que se repete ao infinito lá na rua.
Mas meu nirvana blasé tem limites: por exemplo, gente que acha Proust "interessante". Ah, estas palavras higiênicas! Um carburador pode ser interessante; estrutura de romance vanguardista pode ser interessante; até um molusco pode ser interessante - vejam! limpo o monóculo e tem uma lesma no meu jardim, de all-star e franjinha e casaco adidas, lendo o ciclo de Albertine e suspirando: "Oh, mas que coisa chata!" Sim, sim; viram como é muito fácil? É só ler e dizer o que acha. Só que até lesma faz assim, e tem crítico de arte que não consegue.
Daí a regra: se você gostou de Proust, diga algo como "excelente", e sem justificativas abichonadas: "Me identifiquei muuuito!"; "Me tocou por-den-tro...". Se não gostou, massacre. Porque literatura é pretexto para odiar sem culpa ou amar sem receio; afinal, poucos escritores se ferem com nossos ódios, e livros quase nunca traem quando seguros do amor alheio. Então chame Proust de "Lya Luft high-brow", de "Balzac sonífero"; choque um aficcionado dizendo que o melhor em "À la Recherche" é poder trocar todos os volumes por meia dúzia de Agatha Christies. Ou simplesmente troque todos os volumes por meia dúzia de Agatha Christies. Enfim, qualquer coisa, menos avaliar a contribuição de Proust para a teoria do romance e disfarçar insensibilidade com enrolação pseudocientífica.
3 Comments:
Quem foi que começou com esta mania de categorias para disfarçar a falta de talento em fazer uma crítica decente? Kant? Acho que sim, pois ele escrevia mal como o diabo.
Veja esta de Paulo Francis: "Uma das razões do nouveau roman na França é que depois que você lê Proust precisa ter uma petulância dos diabos para escrever um romance social."
Pronto. Vale mais que um livro inteirinho do Barthes!
Beijo!
Essa do Francis é boa mesmo, Brunilda. Eu gosto de análises gerais exageradas, tipo o Eliot escrevendo pro Fitzgerald e afirmando que o Gatsby era a única coisa que tinha acontecido na literatura americana desde Henry James. Se bem que nesse caso não há exagero. Há o fato.
Abraços, meus queridos (ui)
;)
análises exagaradas. a única coisa na crítica literária que não me faz bocejar.
(meta-análise exagerada)
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