terça-feira, maio 31, 2005

alguns sintomas precoces de monarquismo congênito


"Estudo de caso do menino L., moreno, cor branca, estatura mediana, 23 cm:

1) Com cinco anos, deu a todos os seus cachorros títulos de nobreza. De akitas a vira-latas, todos descendiam dos últimos Duques de Borgonha e formavam uma grande família principesca que casava entre si. Principalmente sobrinhos com tias; eram cachorros, afinal.

Segundo o paciente, foi uma maneira de nivelar seus vira-latas com cães de raça. 'Aquela magreza, aquele aspecto cansado, aquelas costelas aparecendo, tudo o que antes parecia coisa de nordestino em filme do Glauber Rocha, adquiriu outro significado pra mim depois de eles terem ganhado títulos. Lembrava agora a elegância esbelta dos chefes guerreiros francos. Bom, ao menos era nisso que eu queria acreditar, que o Carlos Temerário, depois de apanhar do Luís XI, devia parecer com um dos meus vira-latas. Pelo jeito, uma cadela tetuda (ri histericamente e começa a cantar 'Charles le Téméraire est mort'.) '

2) Nesta mesma época, no ano de 87 (o paciente tinha seis anos), recorda-se ele de estar assisitindo TV cercado pela família. De repente, aparece 'uma atriz gordinha, de ombreira, brincos de acrílico verde-limão e aquela maquiagem que dá às mulheres um sex appeal de Vovó Mafalda.' O paciente se recorda de haver olhado em volta; sua mãe estava vestida da mesma forma; sua tia, idem. E então perguntou a elas 'por que todo mundo usa blaser de manga virada e penteado com permanente, se pode estar de corpete e blaser de veludo?'

Conforme o paciente, 'isso prova que é besteira essa história da Idéia da Elegância ser relativa, depende da época, blá-blá-blá. Eu, com seis anos, e no meio dos anos 80, sabia que aquelas roupas eram muito, mas muito feias, comparando com os vestidos da Glenn Close nas Ligações Perigosas.'

(No que o estudado tem razão, pois, pelas minhas observações, a Idéia da Elegância Ancien Régime está latente no psiquismo humano. É claro que sim, e não se faz necessário diálogo socrático algum para tirar a prova. Basta lembrar que nos contos de fada os reis e rainhas são sempre supercool e que meus filhos com oito anos adoravam 'Que rei sou eu?'.)

3) Com 10 anos, passava o dia todo desenhando as roupas da Família Real. A sua, claro.

O paciente reforça, entretanto, que seu 'direitismo era moderado. Na verdade, era quase, quase populista, tanto que eu elegi como juge de goût a Vitalina, minha empregada de Viamão. Era ela quem me dizia se o decote da rainha (que não, não era eu) estava de bom tamanho ou se o culote do príncipe-cadete devia ser mais apertado. Mas o mais incrível é que, com uma assistente assim, nenhum dos meus modelos ficou parecido com as batinas do Padinho Padi Cíço (e faz uma careta de velho desdentado, babando pelos cantos da boca).'

4) Ainda com 10 anos, ele diz lembrar que ria 'civilizadamente das besteiras dos outros. Ou seja, pelas costas. Pela frente, a gente mostra piedade dos infelizes, como o La Rochefoucald recomenda naquele Auto-retrato maravilhoso.'


Esse é um dos sintomas mais comuns e mais prazerosos de monarquismo crônico, e que talvez alargue o círculo dos seus prováveis contaminados. Segundo D'Alençon (1664), em Traité sur la maladie baise-le-cul-du-roy, 'Só gente chata, só republicanos, acha um absurdo as pessoas rirem uma das outras. Quando isso faz a gente se sentir vivo, cheio de alegria, exatamente como naquele jogo de computador em que um motorista ganha pontos se atropela velhinhas atravessando a rua. Com a diferença de ser uma maldade bem mais sutil, é claro. No final, rir dos estronchos é um esporte tão cruel quanto a caça - e tão fundamental quanto para divertir o rei.'

Segue o mesmo autor (1664): 'Porque a monarquia não é só um desfile de modas permanente. É muito melhor que isso. É um desfile de modas permanente em que uma das diversões principais dos convidados é fazer as modelos escorregarem ou queimar com cigarro as roupas do Paco Rabane. Mas fazer tudo isso parecendo achar o máximo, e escondendo o cigarro atrás do Blue Lagoon.'

5) O garoto apresenta sinais precoces de homossexualismo. O que é altamente indicativo: monarquismo vem nos genes dos gays, sendo par obrigatório com aqueles que determinam o gosto por design, música rebolativa e bíceps com mais de 50 cm.

Segundo a literatura existente - Menghele (1935); Kinsey (1948); Marlene Mattos (1979) - republicanismo é sintoma de veadagem degenerada. Geralmente o monarquismo se manifesta nesses casos de forma desviante - e, conforme Rorô (1984), 'eles ou viram drag queens, ou viram Freddie Mercurys, dublando Bohemian Rapsody em frente ao espelho com bigode, batom e coroa. Uma merda. Mas o mais foda é quando estas bichinhas começam a pregar democracia nos microfones do videokê. Aí, sim. E agora vê se me paga mais um drink, porra!'


O caso chegou ao se ápice quando L. teve a sua crise mais forte, aos 20 anos. Viajou de Porto Alegre a Brasília - 'sem pagar passagem; onde se viu uma Maria Antonieta na fila da Unesul?!', subiu a rampa do Palácio do Planalto vestido de Rainha de Copas e gritou para os turistas: 'Cortem a cabeça dele! Cortem a cabeça dele!', se referindo ao então presidente. Um pequeno grupo de populares se entusiasmou com a cena ('É golpe! É os militar!') e já aclamou L. como Imperatriz. Entretanto, um turista alemão, pensando tratar-se de um travesti, passou-lhe a mão na bunda. L., indignado(a) pela falta de decoro com Sua Pessoa Real, investiu contra ele empunhando uma guilhotina de cortar charutos e conseguiu arrancar-lhe um pedaço do dedo. Neste momento, foi imobilizado(a) por cinco Dragões da República e levado(a) ao sanatório de Petrópolis, no Rio de Janeiro, onde passa os dias sentado(a), 'esperando a decisão dos jacobinos na Convenção'."


(LEMOS Rodrigo de, Política e outros distúrbios de personalidade , Porto Alegre: Artes Médicas, 2004. Fora do prelo, por decisão do TSE.)



domingo, maio 29, 2005

appetising young love for sale





Love for sale,
Appetising young love for sale.
Love that's fresh and still unspoiled,
Love that's only slightly soiled,
Love for sale.
Who will buy?

("Love for Sale", Cole Porter, 1930)

sexta-feira, maio 27, 2005

nota fúnebre em memória do palhaço chuvisco gouveia


"Morreu ontem o palhaço Chuvisco Gouveia.

Verdadeiro mito para a geração que hoje beira os 60 anos, Chuvisco foi o primeiro palhaço existencialista do país. No passado, fez fama ao divulgar Sartre e Camus no Brasil, mas na década de 80 perdeu popularidade. Tudo por causa da influência de concorrentes mais novos - entre eles, Bozo, o palhaço junkie, e Vovó Mafalda, o palhaço travesti (sinal dos tempos). Nos últimos anos, jazia esquecido entre as árvores do Parque Farroupilha, cercado por bolas coloridas e balões do Bob Esponja, repetindo mecanicamente falas de "Huis-Clos". E, enquanto as crianças corriam atrás do Pimpão e da Véia Flor para pegar brinquedos, Chuvisco ficava sozinho. Sua única companhia era um casal indie que o visitava de quando em quando para ganhar livros, conselhos amorosos e duas ou três tripas de bala Xaxá, sabor abacaxi.

"Seja marginal; seja herói, cara." - Chuvisco não fazia propaganda da própria rebeldia. Era um dos poucos outsiders legítimos na cidade. Não parava em circo algum, por exemplo. Porque o público não o entendia, e porque as crianças deixavam o espetáculo na metade da única piada que contava - sempre a mesma piada, envolvendo dois potes de marmelada, uma buzina d'água e o mito da condenação de Sísifo no Hades. Na década de 70, houve uma que gritou bem alto "alienado pequeno-burguês", ou algo do tipo. Porém Chuvisco, num golpe memorável, respondeu que também queria a libertação do proletariado, mas que essa só se daria se antes houvesse a libertação do indivíduo. Foi sua fase marxista-sartriana.

Estrela cadente- Com a ascensão de Bozo no SBT, sua carreira ficou comprometida.

Recebia poucos convites para a televisão, e menos ainda para animar aniversários de criança.

Nos últimos 20 anos, tinha crises de depressão freqüentes. Mas sua rebeldia era tanta que nem as clínicas psiquiátricas o aceitavam por muito tempo. Se recusava, por exemplo, a tirar o suspensório e o bambolê que usava como calça. Assim, quando as enfermeiras chegavam, viam aquele volume enorme embaixo dos lençóis e achavam que ele estava sempre de barraca armada. Pensavam que era um tarado, que podia estuprá-las, e houve uma que teve crises de choro, dizendo que 30 cm era demais para ela. Espalhava o caos por toda clínica que passava.

Mas era só libera-lo que, certo, atentava contra própria vida. Da primeira vez, tentou enforcar-se no chuveiro com uma bexiga em forma de lingüiça. Na segunda, comeu doze quilos de algodão doce. O que lhe valeu uma lavagem estomacal e cinco centímetros a mais na pança, afinal.

Fracassado até no suicídio, Chuvisco entrou, então, num lento processo de auto-destruição. Entregou-se às drogas. Amanhecia no meio-fio da Oswaldo Aranha, entre palhaços punks, headbangers e travestis - a desenfreada Vovó Mafalda entre eles, é claro. Chegou mesmo a aproximar-se de seu maior rival, o palhaço Bozo, que controlava o maior cartel do país na época, só para conseguir cocaína mais barata.

Mas tocou realmente o fundo do poço quando, para sustentar o vício, começou a se prostituir. Parava numa placa de ônibus na José Bonifácio, lançando olhares lânguidos aos passantes e esfregando entre as pernas uma bexiga roxa em forma de pênis. Fazia o maior sucesso com senhores mais velhos, os quais desejavam ter por uma noite o palhaço que, quando crianças, ouviam no rádio declamando passagens de "A peste" .

Morre uma estrela- Foi "animando" seu último aniversário de criança que Chuvisco morreu.

O aniversariante, um garoto de seis anos, chorava com medo da sua cara triste. O pai já queira demiti-lo, e Chuvisco, deseperado, resolveu soprar a primeira língua-de-sogra que encontrou sobre a mesa, só para acalmar o menino. Entretanto, nunca havia feito isso antes em sua longa carreira de palhaço e se atrapalhou: colocou a língua de sogra ao contrário na boca, e, ao invés de assoprar pra fora, assoprou pra dentro. Como era de esperar, o bringuedo se abriu na sua traquéia, bloqueando a entrada de ar, e Chuvisco morreu engasgado, com farrapos umedecidos da Pequena Sereia grudados na garganta. Morte brutal e estúpida, que comoveu a comunidade indie de Porto Alegre e do país inteiro.

O velório irá até amanhã, às 18 horas, no cemitério São Miguel e Almas, capela 16. Centenas de pessoas já se aglomeram às portas da capela para dar seu adeus ao palhaço mais profundo que o Brasil já conheceu."

A partir da próxima semana, a sala P.F Gastal estará com uma programação exclusivamente dedicada ao palhaço Chuvisco Gouveia. Entre os filmes apresentados, estará uma filmagem da palestra que Chuvisco fez na USP em 1973 sobre "Construção de sentido na vida contemporânea", em que borrifou água na cara da Marilena-Shall-We?, e a sua tournée dos anos 60 pela Europa, que culminou com um dueto de karaokê no lendário Café Deux Magots, de Paris, em companhia do filósofo francês Jean-Paul Sartre.

quarta-feira, maio 25, 2005

motel mondrian (depois do Grande Falo de Porto Alegre)




Sim, já não chegava o Grande Falo?

E agora também isso (só que em São Paulo). Tem - até? - comunidade no Orkut. Mas o melhor é a descrição que eles fazem da logo. Depois, quando eu digo que camareira de motel também lê Greenberg, me chamam de populista.





"O motel tem o nome do pintor e matemático holandês Piet Mondrian, que se tornou famoso e reconhecido internacionalmente por suas grandes obras. Construídas com traços geométricos e cálculos matemáticos, as obras de Piet Mondrian tinham como característica expressão de modernidade e serviram de inspiração para a construção e decoração do motel.
Eis a essência do logotipo: Rosto de homem ('cabelo azul') beijando uma mulher ('cabelo amarelo')... ambos de perfil... o que você achou ??? "

(Em breve, a Whiskeria Jackson Pollock ,"bebida grátis após a meia-noite", e o Motel Volpi - com poemas verbivocovisuais de trilha sonora e Décio Pignatari nu, lendo o "Pois é, poesia" inteiro no canal pornô).

sessão mediúnica


(Todos de mãos de dadas):

- Ute Lemper está vindo! Ute Lemper está entre nós! - e a médium gorda começa a debater-se, tremendo o beiçinho e ganindo "Mack the Knife" em alemão.

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Ute Lemper está entre nós. Mas o ingresso acabou.

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Sei que esta noite eu podia estar no teatro. Mas vou ter de me contentar com meus mp3. O que é mais ou menos como ver a médium gorda mexendo as banhas, sabendo que o ghost da Ute Lemper está bem perto, talvez até sentada no seu colo. Só você não pode ver.

segunda-feira, maio 23, 2005

o romance que eu não vou escrever


Hoje de manhã, eu vi um casal se beijando em frente de casa. Pelo portão aberto, o cachorro latindo no jardim e o Style Council no som do carro, bem yuppie, presumo que alguém estivesse saindo pra trabalhar. E achei bonito, burguesmente bonito.

(Digo "burguesmente" porque se fosse a Kriemhild beijando o Siegfrid nas portas do castelo antes da caçada a um javali, daí seria nobremente, aristocraticamente bonito. E bonito estaria com letra maiúscula, for sure.)

O que não quer dizer que eu ia chatear todo mundo escrevendo um romance de 500 páginas em que só houvesse isso. Um casal se beijando ao som de "You're the best thing" e uma média de oito epifanias por lauda. Hell, I mean, hell, don't you think? Outras coisas no mundo valem um romance muito mais do que o cotidiano, do que um casal se beijando, do que um menino que se descobre gay num banco de bicicleta ou do que uma garota tomando banho com um sabonete anti-sarna - "E Wandinha, ao abrir a embalagem de Protex, viu-se iluminada por uma luz divina e disse: 'Somos todos ácaros de escabiose na pele do Supremo Ser...' ". Acredite, leitora amiga, um beijo do namorado não é nada. Perto do César conquistando a Gália, do Luís XVI sendo decaptado ou duma viagem à lua em engenhocas voadoras, o cotidiano não é nada, nem muito divertido é.

Quer dizer, não é que o cotidiano não seja nada. É que depende de onde você passa a maior parte dos seus dias. Por exemplo, chegou a primeira televisão a cores no interior de Sapiranga; em Porto Alegre, isso não quer dizer absolutamente nada. Mas em Sapiranga, com certeza, muitos vão se salvar do suicídio. E tão menos a abertura de um bar de strip-tease em Porto Alegre vai fazer alguma diferença na vida sexual dos executivos de São Paulo ou de Buenos Aires, ou mais uma montagem de "Esperando Godot" com drag-queens caolhas em São Paulo vai causar frisson em Londres ou Nova York. E agora imaginem o impacto dum casal porto-alegrense se beijando em frente de casa na vida dos londrinos. É mais ou menos como comparar a nossa vidinha pessoal com a invasão do norte da África pelos vândalos. Ou seja, só escreve livros sobre o cotidiano quem passa a maior parte do tempo vivendo em Sapiranga (a própria pele) e nunca viu um arranha-céu (a Grécia antiga, a China, Marte com vida). Falta ou de imaginação, ou de conhecimento.

Porque, leitora amiga, existe uma hierarquia nas coisas. E a nossa vida pessoal (brigas, festa, família, emprego), tudo isso está no último nível. Pode valer um miniconto, mas não segura um romance. Ao ver os dois se beijando no portão de casa, me dei conta de que escrever um livro sobre o cotidano é como escrever sobre uma guerra feita só com cabos de vassoura: pode até ser engraçadinho no começo, mas depois enche o saco. Uma hora, a gente tem que ver sangue. E disso tudo, me veio a conclusão: "Vou escrever uma epopéia".

quinta-feira, maio 19, 2005

i have a dream (II)


Outra causa nobre pela qual eu lutaria: o fechamento de todos os cursos de Educação que se encontram em território brasileiro. E o conseqüente expurgo de todos os piagetianos para uma colônia de trabalhos forçados no interior do Piauí, em que catariam os piolhos de índias tetudas e antopófogas. Queria ver uma professora da Educação sendo assada com uma maçã na boca ao tentar explicar aos índios "A Construção do real na criança." E os outros acadêmicos na fila, com camisetas do PT e os olhos arregalados por trás dos óculos. Na verdade, eu só poupava o próprio Piaget, e só porque ele já morreu. Ok, ok, e porque o meu império, infelizmente, não chegaria até a Suíça (nos primeiros anos). Aliás, vocês já leram Piaget? A bore. Piaget é tão chato, mas tão chato, que neste momento deve estar no círculo do inferno destinado aos maçantes e aos pedantescos, sendo atazanado para o resto da eternidade pelo chato das "Casas Bahia".

(Sinto um breakdown iminente. Já é o segundo post consecutivo em que cito as "Casas Bahia" - viu? De novo. Só quebrem meu teclado quando eu postar letras de música pop, please.)

Mas, voltando ao nível telúrico, além do expurgo "piagetiano", tenho outros projetos. Minhas milícias (sim, sim, e já tenho até um nome: Milícias Negras dos Jovens Musculosos e Pederastas) organizariam a implosão simultânea de todos os prédios em que já funcionaram faculdades de Educação no país. Depois, polvilhariam tudo com cal. Pra que nada mais nascesse entre os escombros, nem erva daninha. Não duvido que até a erva-de-passarinho que brotasse naquele meio já nasceria falando em "sujeitos interagindo" e "co-construção".*

* Dia desses, me perguntaram o que é "co-construção". Respondi que devia ser algum neologismo dos irmãos Campos para "ir ao banheiro". Mais que isso ignoro, senhores, ignoro.


quarta-feira, maio 18, 2005

i have a dream (I)


Existem causas nobres. Estão ouvindo?: existem causas nobres! (Repeat after me.) E eu me dedicaria a elas, sem problema. Por exemplo, a lei dos 40 cm. Proibir que os letreiros de loja em Porto Alegre ultrapassem 40 cm de largura. Um coisa muito mais urgente que o casamento gay, que a adoção gay, que o aborto gay, ou que a expansão do Fome Zero até o Congo norueguês, for sure.

Sob meu governo, seria fácil. Já consigo ver milícias de meninos magrinhos, de terno preto, cabelo lambido e óculos de aros grossos, atirando placas de botequim patrocinadas pelo Limão Brahma numa fogueira gigantesca (em que já arderiam, claro, letreiros das "Farmácias Capilé" e do "Bonzão Eletrodomésticos"). Eu sei, os botequeiros não gostariam, iam protestar, "aquela praca de Fanta Uva que eu penei anos pra istalá"; eu sei, eu sei. Mas, veja bem, meu barbudo leitor, nada de novo sob so sol; é só lembrar a Revolta da Vacina. Esta gente não sabe o que é bom pra si. Acham que vacina dá doença; acham que Limão Brahma é coisa fina. E é por isso que eu os deixaria amarrados num canto, entupidos de ovos roxos e música do Zeca Pagodinho, ao mesmo tempo em que os meus garotinhos das milícias da juventude (todos pederastas, comme il faut) fariam uma limpa nos letreiros. Doeria na hora, mas no fim eles iam até gostar. E enquanto isso, eu ficaria em cima dum palanque, tocando a Cavalgada das Valquírias de trás pra diante e gritando palavrões em alemão por um megafone.

Depois, a reconstrução. O Estado patrocinaria novas placas para as lojas. Todas padronizadas: dourado fosco, 30X40, fonte Times New Roman, bem discretas. Só de pensar, sinto tremores de emoção: uma pobrinha lendo numa dessas placas "Casas Bahia", entrando na loja (um prédio art déco, claro) e comprando o seu sonhado refrigerador de 24X 29,90. Sim, a Redenção da Humanidade; a libertação dos grilhões do "Lojão Oba-Oba"! (levanta da cadeira, e toca um vinili empoeirado da Olga Benario cantando "Bandera Rossa") .


Eu e esse meu socialismo incorrigível.


terça-feira, maio 17, 2005

o rosto e a voz por trás do politicamente correto


Lembra disso?

Preconceito -
Não faz bem a ninguém
E sem ele
Penso o que seria do poder
Preconceito -
Já causou muito mal
Quem são eles?
Seres que decidem o que normal?

Sim, sim, Via Negromonte, a one hit wonder dos 80's. E este é seu hit pós-estruturalista. Agora (felizmente) esquecida, Via Negromonte fez sucesso na época. Ia toda semana ao programa da Xuxa. Tinha música em trilha de novela. Chegou até a posar nua para a Playboy.

Mas nem tudo era glamour. Via Negromonte tinha um problema: era irmã da Marlene Mattos.

O que só confirma aquela idéia do Nietzche, de que é o ressentimento contra o mundo que nos impele ao democraticismo. Imagina, você é irmão da Marlene Mattos, o que pode fazer? Só pode ter raiva de tudo e compor músicas contra qualquer forma de desigualdade e de preconceito. Afinal, você é irmão da Marlene Mattos, não é mesmo?


Marlene: sorrindo da desgraça alheia.

(Talvez essa seja a explicação para a Revolução Francesa. Imagino sans-cullotes passeando com Marlenes Mattos encoleiradas enquanto aristocratas guardam akitas e sharpeis nos seus palácios. Não tinha como não ter inveja da nobreza e fazer uma baderninha só pra acabar com o bem-bom. )

Deixo vocês agora com um excerto da entrevista que Via Negromonte deu para a Plyboy ao posar nua em agosto de 1988:
"P- Via, como foi que surgiu a inspiração para o sucesso "Preconceito", que agora conseguiu entrar na trilha da novela Mandala?
VN - Olha, eu estava na casa do meu ex-namor, e ele fazia mestrado em antropologia social na UFMG. Aí, nós brigamos, e eu, pra mostrar que estava enfezada, comecei a ler o primeiro livro que achei na mesa de centro. Era "Microfísica do poder", dum autor chamado Marcel, ou Michel, ou Miguel, só sei que era Foucault, conhece? Achei show de bola! Toda essa coisa de como as pessoas são excluídas pelo preconceito, tão barra, cara, tão barra. E aí, me veio a letra na cabeça, tudo a partir daquela parte: "penso o que seria do poder", saca? Bom, não deu mais pra segurar, fiz a letra inteira e liguei pra Marlene (Mattos, sua irmã) na hora! Foi tudo assim (estala os dedos). Mas o mais engraçado foi que, naquela mesma semana, perdi o namorado, mas ganhei um hit! (risos)"



Smart that kid.

domingo, maio 15, 2005

contra a naturalidade



Tia Luci: -Vem, vem cá, dá um beijo na titia, vem.
Fernanda: -Eu não, tu tem cheiro ruim na boca!


Sempre achei que a Fernanda, minha prima de oito anos, deve ser um exemplo de moral pra essas pessoas que defendem incondicionalmente a espontaneidade. São criaturas que falam sem parar no "natural", e (pior) que estão sempre dispostas a juntar a palavra "natural" à pergunta "Qual o problema..." (pergunta, aliás, típica de gente meio burrinha). "Qual o problema em ver a tua mãe mijando de porta aberta? Não é natural? Não foi dali que tu saiu?"; quando a resposta é bem simples: foi dali que eu saí, o que não quer dizer que eu seja obrigado a ver o tempo todo. E o mesmo vale para "Qual o problema em cheirar feito um bode? Fica sete dias sem tomar banho; este é o teu cheiro natural. Então, que que tem?" ou "Qual o problema em fazer campeonato de arroto? Uma coisa tão natural; coisa do organismo!". E notem as caras, o jeito de torcer a boca pro lado, afetando todo o desprezo que gente bem-pensante deve ter pelo arcaísmo de manter os maus odores dos outros a uma distância segura. Não duvido que, entre um arroto e outro (daqueles bem altos, porque eles são tão naturais, tão espontâneos...), falem verdades desagradáveis pra tias baforentas ou puxem as calças dos convidados de seus pais, exatamente como a Fernanda faz nos almoços de família. Tão espontânea, tão natural aquela menina.


Mas como esta gente está errada. Quem vale alguma coisa só vale porque venceu a própria natureza, essa tendência que humanos compartilham com macacos de comer, dormir, trepar e coçar a pança embaixo duma árvore. O cara que é espontâneo demais, natural demais, e que não corrige esse mau hábito, acaba se vestindo mal e metendo o dedo no nariz enquanto dirige (reparem: é quase um reflexo não condicionado em gente mal-vestida). Ou ficando gordo, careca e bebedor de cerveja - o que equivale, mais ou menos, a um macaco coçando a pança embaixo duma árvore. Senão pior: macacos geralmente têm silhuetas mais esguias.


É por isso que eu desconfio de artistas "naturais" ou "espontâneos". Gente que cria com o coração, com o inconsciente, com "aquela coisa que vem, assim, e que não dá pra segurar". Geralmente, o que eles fazem é amorfo, e amorfo quer dizer disforme, e disforme quer dizer sem forma, e o que é sem forma é fora de forma. É isso; o que me irrita neste tipo de arte são os pneuzinhos a mais. Quando eu abro um livro de poesia confessional, por exemplo, o que vejo é um velho gordo e preguiçoso, pingando Fanta Uva no seu abrigo de tec-tel. Já a boa poesia é atlética; beauty is a difficult thing, e só se chega lá com muito exercício (ou seja, muito artifício). A boa arte é sempre uma violência contra a natureza, quase tão grande como passar duas horas numa academia - ou, no caso da Fernanda, refrear o impulso de atirar salada de maionese no cabelo da avó. O que faz com que a grand art seja máscula, tenha pernas rijas e bíceps avantajado:



Momento histórico: Frank Loyd Wright (E) e Mies van der Rohe (D) num encontro de grandes artistas sarados em Leipzig, verão de 1957. Foi preciso 30 anos de exercício pros dois chegarem a estes corpinhos. Mas, como nada é perfeito, o cabelo deixa a desejar. Creme "Karina" pra eles, já!


quarta-feira, maio 11, 2005

"strange discovery in southern brazil"


Estes americanos acham que isto aqui é uma selva. Prometi nunca escrever sobre atualidades, mas olha o artigo que eu achei na "Scientific american" do mês passado (e traduzi só pra vocês):

"Recentes escavações conduzidas pela arqueóloga alemã Fäulein Olga Friedrich descobriram, na selvagem cidade brasileira de Happy Harbour (sic), um totem fálico gigantesco, com cerca de 15 metros de altura e revestido de estranhas pastilhas roxas. O grupo também encontrou, ao lado do monumento, duas enormes bolas cor-de-laranja, o que espantou mesmo os mais empedernidos pelo extremo mau gosto da combinação. Em decorrência do baixo nível de sensibilidade estética que o totem denota, os pesquisadores supõem tratar-se de um povo desconhecido e muito primitivo, ancestral da espécie simiesca que hoje choca populações civilizadas pelo uso de pochetes, tiaras no cabelo e sandálias franciscanas. A datação do monumento é incerta, devendo tratar-se do período entre 1980 d.c e 1995 d.c, com alguma margem de erro.

Entretanto, um acidente grave marcou o fim da expedição. Talvez por causa dos supostos poderes afrodisíacos do achado, todas as mulheres do grupo - mulatas locais de um metro e meio, que têm o estranho hábito de usar tamancos e microshorts - entraram em transe orgiástico. Ao som de batuques africanos, fizeram uma grande fila indiana e ficaram dançando por cerca de duas horas com as mãos na cintura, cobrindo a cara com os cabelos melecados de creme "Karina". Mas o pior foi que nem mesmo Fräulein Friedrich resistiu à suposta influência do totem: lançando olhares lascivos aos homens da expedição, começou a requebrar e a tirar a roupa ao som de "Soy loco por ti America", sucesso kitsch da cantora local Caetano Veloso (sic). A situação só ficou realmente desesperadora quando a Fräulein tirou o sutiã - o que gerou contorsões de repulsa nos nativos -, e quando esta decidiu subir no totem para que todos vissem o que "ela tinha pra dar pra quem quisesse", nas suas palavras. Nem seis negrões, iguais aos que estupraram a atriz Lucélia Santos no clássico (sic!!) "Bonitinha mas ordinária", puderam segurá-la. E foi aí que aconteceu a tragédia: ao tentar escalar o monumento, a respeitada pesquisadora caiu de uma altura de cerca de oito metros. Morreu instantaneamente, com as calçinhas ainda pelo joelho, e de hemorragia interna.

Em homenagem à arqueóloga, os selvagens do povoado decidiram construir uma câmara mortuária para o corpo da falecida. Deram ao prédio, nova jóia da arquitetura local, o nome de "Motel Vis à Vis" em respeito "ao país natar da Fräulein", nas palavras do chefe tribal dos nativos. Vale lembrar que para muitos brasileiros a língua oficial da Alemanha é o francês." (4/2005, pg. 21)


É de indignar. Esta gente não tem o mínimo respeito pela nossa cultura local.



Motel Vis-à-Vis: homenagem póstuma a Fräulein Friedrich, exploradora, cientista e mulher liberada.

terça-feira, maio 10, 2005

"grand hotel" (1932)


Excelente este filme, "Grand Hotel". Me fez pensar que Hollywood, assim como a moda, devia ter parado nos anos 30.



Ter parado, não; voltar ao anos 30. Para nós sentirmos o contraste. Mulheres lindas, em 2020, vestidas em longos de lamê, olhariam fotos de 2005: "Meu Deus, como é que a gente podia usar calça Saint-Tropez?", "E este umbiguinho de fora!". E ririam, exatamente como riem agora, lembrando que há uns 20 anos usavam polaina, ombreira e cabelo frisado.

Ok, o filme, o filme (às vezes me baixa este Lagerfeld). Excelente. Enredo comme il faut; gente rica, ou nem tanto, se encontrando num hotel chic em Berlim. Perfeito: todos os filmes deveriam ter pelo menos um hotel de luxo em Berlim e 70% dos personagens como milionários (os outros 30%, de empregados). Mas o melhor é que existem diálogos! De verdade, e muito bons. Aquele tempo longínquo em que Hollywood investia em diálogos! E se você não acredita, leitor, é só ver "An American In Paris" (1959) ou "A malvada" (late forties, not sure). Sim, é possível fazer boas falas fora da inter-não-sei-o-quê pedantesca do Godard.

Mas o charme maior são os atores. "Grand Hotel" foi o primeiro all-star movie de Hollywood. Antes, cada filme tinha um grande nome que chamava público: a Mae West contracenando com aquele, aquele mesmo; a Marlene Dietrich com lá-ri-ró. Já em "Grand Hotel", a MGM reuniu alguns dos atores mais famosos (e mais caros) da época: Greta Garbo, Joan Crawford, Lionel Barrymore, John Barrymore. Gastou fortunas em cachê. Mas não tinha como dar errado. Joan Crawford faz uma datilógrafa fatal, pra não dizer vagaba mesmo; pelo jeito, nem precisou representar. Já quanto ao John Barrymore, não sei; fiquei prestando atenção o tempo todo em como um homem pode ser elegante de smoking e sombra no olho:



Mas e a Greta Garbo? Com certeza, é difícil falar no acting dela neste filme. Em "Grand Hotel", ela não representa; ela encena. Exatamente como um clown faria. Quando ela aparece, interpretando uma bailarina suicida, o que se vê são gestos, movimentos; body language, é isso, body language, como no cinema mudo. Até a voz parece uma extensão do movimento do corpo na tela; sem sutiliezas psicológicas, sem vontade de realismo; quase como se a fala fizesse parte duma mímica, como um outro membro do corpo. Bizarro, realmente bizarro. Não sei se em outra ficaria tão bem, ou se fica tão bem só porque é nela. Peu importe, não é mesmo?

Até porque é neste filme que ela tem a sua frase. Dos 30's ao 50's, todas elas - ou Elas - tinham as suas falas clássicas: Mae West ("Come up and see me sometime"), Marlene Dietrich ("He was some kind of a man. What does it matter what we say about people?"). E a Greta Garbo: "Leave me alone. I want to be alone". Os fãs adoram. Dizem que "é profético": la Garbo, no fim da vida, se isolou do mundo num apartamento. Se eu não soubesse disso, a frase teria passado em branco. Sabendo, fica charmoso.

Mas o que é tudo isso perto daquelas roupas?


segunda-feira, maio 09, 2005

nel mezzo del camin


A nossa idade é inversamente proporcional à quantidade de pessoas que vai aos nossos aniversários. Quando você faz 20 anos, convida uma turma de colégio inteira pra sair numa boate. Quando faz 30, já são umas 15 pessoas que vão com você a um café. Convida os melhores amigos para um jantar em casa aos 40. Já depois dos 50, sai pra comer pizza sozinho.

Uma bicha amiga minha, ao fazer 45, reservou 30 lugares numa mesa. Apareceram 10. Sarcasmo dela, bem típico: "Será que os outros 20 estão pensando que já vão se encontrar no meu velório?"

O problema de ter 23 anos é não saber se vai rir deste jeito quando chegar a sua vez.

sexta-feira, maio 06, 2005

cartas dos leitores (melhores momentos)


"Tenho um colega chato, muito chato. Todo obsequioso, né, porque o chato, ele é obsequioso: sabe que é um verme, que vai ser esmagado pelo primeiro que puder, mas se encolhe todo pra que não pisem nele. E fala como professor, de perninha cruzada, balançando um all-star vermelho número 36, comprado no Chuí. Ai, que horror.

O problema é que eu tenho muita vontade de decepar o pé dele. Não só um pé, os dois. Com tiros de fuzil. Imagino ele respondendo ao professor uma pergunta de, sei lá, de Termodinâmica, chato, chato, de perninha cruzada. Do nada, eu tiro da pasta um fuzil enorme e primeiro dou um tiro no pé que ele balança; depois no que sobrou, o que ele apóia no chão. As minhas colegas gritam apavoradas - no fundo, pedindo aos santos que ele fique inválido e quieto. E eu me delicio ao ver as pernas dele em toquinhos, apenas com farrapos de meia branca no tornozelo. Meu Deus, só de escrever isto, fico trêmula de alegria.

O negócio é que já tá pegando mal. Eu não paro de olhar pra ele durante a aula, com um sorrisinho de canto, que parece de interesse. Minhas amigas não entendem nada, disseram que eu devia ir falar com ele duma vez. E o cara mesmo, como bom chato, já veio até me convidar pra jantar! E agora ele não desgruda. Me liga toda hora. Que que eu faço pra sair dessa, hein?"

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"Sou um cara que não tem jeito com as mulheres. Vou num bar; tem uma gatinha que me dá bola; ela olha; eu olho, e finalmente lá vou eu ver qual é. Só que, é eu me aproximar, que pronto: esqueço o meu nome, tropeço no meu próprio pé, me babo todo pra falar. Ou simplesmente não percebo que ela é um traveco; sim, sim, porque até isso já me aconteceu. Procurei terapia, casa de umbanda, o escambau, e nada de dar certo.

Até que me decidi: pelo menos as feias eu tenho de pegar. E me lembrei da Josefa, a secretária do meu chefe. Pra ser sincero, ela não é bem feia; ela é o aborto da Mona Lisa. Mas tudo bem, vamos lá.
Aí, como eu não sabia o que fazer pra chegar nela, e vi naquele filme com o Peréio que "mulher gosta merrrmo é de canalha, baixo nível", tive uma idéia infeliz. Deixei um saco de salsichas Le Bon em cima da mesa dela, com meu telefone e um recado: "Se quiser ver agora o salsichão, me liga. ass: F***". (não entenda mal as últimas palavras: é a minha assinatura!)

Nem precisa dizer: no outro dia de manhã, ela passou reto.

Passei uma semana me achando o maior fracassado; nem uma Zezé Macedo eu pegava.

Mas o pior aconteceu ontem. Foi durante uma reunião com a diretoria da empresa. Enquanto o diretor falava dos planos de exportação pra 2005, a Josefa tirou de baixo da saia um salsichão enorme, cru, mordeu bem devagarinho, e olhou fixo pra mim. Deus meu. Senti que todo mundo abafava o riso; mesmo o diretor parou de falar, boquiaberto. E eu, então? Fui correndo pro banheiro e só saí às 9 da noite, quando o porteiro veio me dizer que estavam fechando o prédio.

Agora, eu tô em casa, mas não consigo dormir. O problema é que eu não sei o que fazer. Com que cara eu vou trabalhar amanhã? Você é minha última esperança, me ajuda, por favor."

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Não sei o que fazer com estes infelizes. Mas quem tiver idéias, por favor, me envie.

flaubert é bom, mas...


o realismo em artes é dull. Não são os personagens que devem parecer pessoas; são as pessoas que deviam parecer personagens.

quarta-feira, maio 04, 2005

pequena aula de lógica com madame krawitz


o princípio: "O passado não é nada mais que dejetos e pegadas do presente (...) Os vivos não apenas são donos da Terra; os vivos também são donos do tempo." (Décio Pignatari)

aplicando: "Nasci em 1984, e não tenho obrigação nenhuma de saber que é o David Bowie!" (Avril Lavigne)

e a conclusão: "Se vocês pensarem que nem o Décio Pignatari, vão sair por aí falando que nem a Avril Lavigne. E daí pro all-star de cano longo, é um passo; um pas-so!" (prof. Madame Krawitz, hoje pela tarde)

Hmm. "Hora de cortar estas unhas pretas, meninas."

terça-feira, maio 03, 2005

isabelle adjani, uns japoneses gordos e três pepinos vibratórios



Como são chatas estas definições conceitualmente rigorosas de arte. É só abrir um livro destes Cientistas de Estética - sim, sim, esta mania de usar a palavra "cientista" como título nobiliário -, que um conceito agarra os seus braços; outro prende as suas pernas, e os dois começam a jogar você de um lado pro outro, torcendo a sua língua até a ponta do nariz e lhe atirando catchup na cara. E finalmente, quando você acha que entendeu alguma coisa, eles se desculpam com aquele chavão: "Mas temos de ter em vista que o que foi exposto até agora não é mais que um modelo explicativo, sem quaisquer pretensões de fechar a discussão." Ah é, e pra que tudo isso, então? Ler este tipo de coisa é como entrar naqueles sites pornôs gratuitos, em que a criatura tem de fechar um monte de janela de propaganda antes de chegar na página principal, e quando, no final, vai abrir as fotos, surpresa: encontra japoneses gordos sentados em pepinos. Decepcionante, decepcionante.

Mas que diferença quando artistas falam sobre sua própria arte! Cocteau, por exemplo: "A poesia, sendo a elegância em si mesma, é invísivel ao grande público". Isto vale muito mais que quilômetros de blá-blá-blá jackobsoniano. Vai direto ao ponto, e o melhor: se o leitor sentiu a beleza da frase, pronto, ele entendeu do que se trata a poesia. Porque uma boa definição de arte tem que se parecer com o objeto que ela descreve. Uma definição árida pode servir pra biologia, não pra pintura. E uma definição tipo a do Cocteau pode não servir pra diferenciar cisnes de patos, mas é a melhor que pode haver pra poesia. É como se a gente entrasse num site pornô e quando desse um "Enter", vrum, se materializa a Isabelle Adjani nua no nosso colo. E não sei quanto a vocês, mas eu, com certeza, não troco a Isabelle Adjani por japoneses gordos se divertindo com legumes elétricos.




Jean Cocteau e Edith Piaf discutindo a "importância do uso da parataxe no contexto do discurso poético contemporâneo associado aos novos meios do cyberespaço". Ui.

segunda-feira, maio 02, 2005

o que eu vi hoje numa loja descolada


- E quanto, esta?

- A blusinha,&¨%L&@ reais.

- AAhh, bicha mofadaa, vai passar a vida vendendo roupa! - e saiu correndo pelo shopping, com uma meia no nariz.

escritores e pseudos


Estragaram a minha manhã. Aquelas coisas de faculdade: o professor disse que o Albert Camus disse que o Oscar Wilde só aprendeu a escrever bem quando saiu da prisão.

Como era bobo aquele francês. Cheio do preconceito de que só pode ser bom escritor quem "passô pelos mau borcado da vida", quem "conheceu a vida pelo avesso". Sim, claro, a vida numa tábua de passar. Argh.

Só diz este tipo de coisa quem não entende nada de arte. O que faz realmente dum artista um grande artista é o fato de ele criar um estilo, e não o que ele pensa ou sente. Aliás, é o fato de ele criar um estilo, apesar do que ele pensa ou sente.

É só comparar o próprio Camus ao Oscar Wilde. Todo este povo - no fundo, no fundo, gentinha -, tipo Sartre e Camus, era filosofeira demais pra escrever bem. O que eles faziam era pegar uma tese filosófica (no caso deles; mas também podia ser psicanalítica, sociológica, marxista, sentimentalóide, dependendo do autor) e fazer um teorema, uma demonstração - no final, "ilustração" - da teoria em forma de narrativa. Pronto: todo mundo só prestava atenção no "homem embotado", do "Estrangeiro", no conflito existencial da "Idade da razão", fazia dois ou três comentários quanto à técnica narrativa, e era isso: "obra de gênio", proclamavam garotas existencialistas, com a cabeça dentro do forno. Os pseudo é que fica(va)m satisfeitos; pra que sentir o texto?, julgar esta coisa secundária e um tanto irracional que se chama "valor artístico"; basta se maravilhar com bons sentimentos éticos e masturbações filosóficas.

(Não é por nada que o Sartre admirava os escritores iluministas, os piores dos últimos três séculos.)

É este o problema de escritores como Camus: muita inteligência analítica, mas também muita lourdeur d'esprit. É que não basta ser um grande intelectual pra escrever um grande romance. Tem que ter um instinto de malabarista, fazer palhaçadas pro plúbico, querer divertir por divertir - o que é só uma forma menos empolada de dizer "l'art pour l'art" . O grande artista é o Téophile Gautier: é preciso entreter pelos sentidos.

E é só ler "The Importance of Being Earnest" pra ter uma idéia do que é isso. O Wilde tinha um domínio tão perfeito das palavras e uma imaginação tão delirante (sim, sim, quase doentia), que é impossível não rir o tempo todo. Ele consegue sintetizar um pensamento numa situação tão engraçada, tão espirituosa, que faz, no fim, parecer secundário se ele é justo ou injusto, se é verdadeiro ou não. É só muito engraçado, é só excelente. E, em romances como o Dorian Gray, muito bonito.

Porque art is about the senses, só isso. E os grandes conceptistas - tipo o Padre Vieira ou o João Cabral de Melo Neto - só conseguem ser realmente grandes porque transformam abstrações em coisas palpáveis, porque concretizam conceitos. Daí, escrevem coisas assim:

Na paisagem do rio
difícil é saber
onde começa o rio;
onde a lama
começa do rio;
onde a terra
começa da lama;
onde o homem
onde a pele
começa da lama;
onde começa o homem
naquele homem.