alguns sintomas precoces de monarquismo congênito
"Estudo de caso do menino L., moreno, cor branca, estatura mediana, 23 cm:
1) Com cinco anos, deu a todos os seus cachorros títulos de nobreza. De akitas a vira-latas, todos descendiam dos últimos Duques de Borgonha e formavam uma grande família principesca que casava entre si. Principalmente sobrinhos com tias; eram cachorros, afinal.
Segundo o paciente, foi uma maneira de nivelar seus vira-latas com cães de raça. 'Aquela magreza, aquele aspecto cansado, aquelas costelas aparecendo, tudo o que antes parecia coisa de nordestino em filme do Glauber Rocha, adquiriu outro significado pra mim depois de eles terem ganhado títulos. Lembrava agora a elegância esbelta dos chefes guerreiros francos. Bom, ao menos era nisso que eu queria acreditar, que o Carlos Temerário, depois de apanhar do Luís XI, devia parecer com um dos meus vira-latas. Pelo jeito, uma cadela tetuda (ri histericamente e começa a cantar 'Charles le Téméraire est mort'.) '
2) Nesta mesma época, no ano de 87 (o paciente tinha seis anos), recorda-se ele de estar assisitindo TV cercado pela família. De repente, aparece 'uma atriz gordinha, de ombreira, brincos de acrílico verde-limão e aquela maquiagem que dá às mulheres um sex appeal de Vovó Mafalda.' O paciente se recorda de haver olhado em volta; sua mãe estava vestida da mesma forma; sua tia, idem. E então perguntou a elas 'por que todo mundo usa blaser de manga virada e penteado com permanente, se pode estar de corpete e blaser de veludo?'
Conforme o paciente, 'isso prova que é besteira essa história da Idéia da Elegância ser relativa, depende da época, blá-blá-blá. Eu, com seis anos, e no meio dos anos 80, sabia que aquelas roupas eram muito, mas muito feias, comparando com os vestidos da Glenn Close nas Ligações Perigosas.'
(No que o estudado tem razão, pois, pelas minhas observações, a Idéia da Elegância Ancien Régime está latente no psiquismo humano. É claro que sim, e não se faz necessário diálogo socrático algum para tirar a prova. Basta lembrar que nos contos de fada os reis e rainhas são sempre supercool e que meus filhos com oito anos adoravam 'Que rei sou eu?'.)
3) Com 10 anos, passava o dia todo desenhando as roupas da Família Real. A sua, claro.
O paciente reforça, entretanto, que seu 'direitismo era moderado. Na verdade, era quase, quase populista, tanto que eu elegi como juge de goût a Vitalina, minha empregada de Viamão. Era ela quem me dizia se o decote da rainha (que não, não era eu) estava de bom tamanho ou se o culote do príncipe-cadete devia ser mais apertado. Mas o mais incrível é que, com uma assistente assim, nenhum dos meus modelos ficou parecido com as batinas do Padinho Padi Cíço (e faz uma careta de velho desdentado, babando pelos cantos da boca).'
4) Ainda com 10 anos, ele diz lembrar que ria 'civilizadamente das besteiras dos outros. Ou seja, pelas costas. Pela frente, a gente mostra piedade dos infelizes, como o La Rochefoucald recomenda naquele Auto-retrato maravilhoso.'
Segundo o paciente, foi uma maneira de nivelar seus vira-latas com cães de raça. 'Aquela magreza, aquele aspecto cansado, aquelas costelas aparecendo, tudo o que antes parecia coisa de nordestino em filme do Glauber Rocha, adquiriu outro significado pra mim depois de eles terem ganhado títulos. Lembrava agora a elegância esbelta dos chefes guerreiros francos. Bom, ao menos era nisso que eu queria acreditar, que o Carlos Temerário, depois de apanhar do Luís XI, devia parecer com um dos meus vira-latas. Pelo jeito, uma cadela tetuda (ri histericamente e começa a cantar 'Charles le Téméraire est mort'.) '
2) Nesta mesma época, no ano de 87 (o paciente tinha seis anos), recorda-se ele de estar assisitindo TV cercado pela família. De repente, aparece 'uma atriz gordinha, de ombreira, brincos de acrílico verde-limão e aquela maquiagem que dá às mulheres um sex appeal de Vovó Mafalda.' O paciente se recorda de haver olhado em volta; sua mãe estava vestida da mesma forma; sua tia, idem. E então perguntou a elas 'por que todo mundo usa blaser de manga virada e penteado com permanente, se pode estar de corpete e blaser de veludo?'
Conforme o paciente, 'isso prova que é besteira essa história da Idéia da Elegância ser relativa, depende da época, blá-blá-blá. Eu, com seis anos, e no meio dos anos 80, sabia que aquelas roupas eram muito, mas muito feias, comparando com os vestidos da Glenn Close nas Ligações Perigosas.'
(No que o estudado tem razão, pois, pelas minhas observações, a Idéia da Elegância Ancien Régime está latente no psiquismo humano. É claro que sim, e não se faz necessário diálogo socrático algum para tirar a prova. Basta lembrar que nos contos de fada os reis e rainhas são sempre supercool e que meus filhos com oito anos adoravam 'Que rei sou eu?'.)
3) Com 10 anos, passava o dia todo desenhando as roupas da Família Real. A sua, claro.
O paciente reforça, entretanto, que seu 'direitismo era moderado. Na verdade, era quase, quase populista, tanto que eu elegi como juge de goût a Vitalina, minha empregada de Viamão. Era ela quem me dizia se o decote da rainha (que não, não era eu) estava de bom tamanho ou se o culote do príncipe-cadete devia ser mais apertado. Mas o mais incrível é que, com uma assistente assim, nenhum dos meus modelos ficou parecido com as batinas do Padinho Padi Cíço (e faz uma careta de velho desdentado, babando pelos cantos da boca).'
4) Ainda com 10 anos, ele diz lembrar que ria 'civilizadamente das besteiras dos outros. Ou seja, pelas costas. Pela frente, a gente mostra piedade dos infelizes, como o La Rochefoucald recomenda naquele Auto-retrato maravilhoso.'
Esse é um dos sintomas mais comuns e mais prazerosos de monarquismo crônico, e que talvez alargue o círculo dos seus prováveis contaminados. Segundo D'Alençon (1664), em Traité sur la maladie baise-le-cul-du-roy, 'Só gente chata, só republicanos, acha um absurdo as pessoas rirem uma das outras. Quando isso faz a gente se sentir vivo, cheio de alegria, exatamente como naquele jogo de computador em que um motorista ganha pontos se atropela velhinhas atravessando a rua. Com a diferença de ser uma maldade bem mais sutil, é claro. No final, rir dos estronchos é um esporte tão cruel quanto a caça - e tão fundamental quanto para divertir o rei.'
Segue o mesmo autor (1664): 'Porque a monarquia não é só um desfile de modas permanente. É muito melhor que isso. É um desfile de modas permanente em que uma das diversões principais dos convidados é fazer as modelos escorregarem ou queimar com cigarro as roupas do Paco Rabane. Mas fazer tudo isso parecendo achar o máximo, e escondendo o cigarro atrás do Blue Lagoon.'
5) O garoto apresenta sinais precoces de homossexualismo. O que é altamente indicativo: monarquismo vem nos genes dos gays, sendo par obrigatório com aqueles que determinam o gosto por design, música rebolativa e bíceps com mais de 50 cm.
Segundo a literatura existente - Menghele (1935); Kinsey (1948); Marlene Mattos (1979) - republicanismo é sintoma de veadagem degenerada. Geralmente o monarquismo se manifesta nesses casos de forma desviante - e, conforme Rorô (1984), 'eles ou viram drag queens, ou viram Freddie Mercurys, dublando Bohemian Rapsody em frente ao espelho com bigode, batom e coroa. Uma merda. Mas o mais foda é quando estas bichinhas começam a pregar democracia nos microfones do videokê. Aí, sim. E agora vê se me paga mais um drink, porra!'
O caso chegou ao se ápice quando L. teve a sua crise mais forte, aos 20 anos. Viajou de Porto Alegre a Brasília - 'sem pagar passagem; onde se viu uma Maria Antonieta na fila da Unesul?!', subiu a rampa do Palácio do Planalto vestido de Rainha de Copas e gritou para os turistas: 'Cortem a cabeça dele! Cortem a cabeça dele!', se referindo ao então presidente. Um pequeno grupo de populares se entusiasmou com a cena ('É golpe! É os militar!') e já aclamou L. como Imperatriz. Entretanto, um turista alemão, pensando tratar-se de um travesti, passou-lhe a mão na bunda. L., indignado(a) pela falta de decoro com Sua Pessoa Real, investiu contra ele empunhando uma guilhotina de cortar charutos e conseguiu arrancar-lhe um pedaço do dedo. Neste momento, foi imobilizado(a) por cinco Dragões da República e levado(a) ao sanatório de Petrópolis, no Rio de Janeiro, onde passa os dias sentado(a), 'esperando a decisão dos jacobinos na Convenção'."
(LEMOS Rodrigo de, Política e outros distúrbios de personalidade , Porto Alegre: Artes Médicas, 2004. Fora do prelo, por decisão do TSE.)
8 Comments:
Ah, rapaz: isso foi demais. Rir assim, depois de uma terça cansativa, é quase um milagre.
"No final, rir dos estronchos é um esporte tão cruel quanto a caça - e tão fundamental quanto para divertir o rei."
Abraço
oh, é sempre um prazer alegrar as visitas. e o chá, está do seu agrado? mais açúcar? ;-)
abraço
O caso é importante, mas não diria que é grave. Se o paciente começar a ouvir metal melódico, comecem a se preocupar (porque monarquismo só é grave quando combinada com cafoni ce).
é verdade, adriano, e aquela princesa de mônaco que gravou hits pop na década de 80 é a maior prova disso.
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