segunda-feira, maio 02, 2005

escritores e pseudos


Estragaram a minha manhã. Aquelas coisas de faculdade: o professor disse que o Albert Camus disse que o Oscar Wilde só aprendeu a escrever bem quando saiu da prisão.

Como era bobo aquele francês. Cheio do preconceito de que só pode ser bom escritor quem "passô pelos mau borcado da vida", quem "conheceu a vida pelo avesso". Sim, claro, a vida numa tábua de passar. Argh.

Só diz este tipo de coisa quem não entende nada de arte. O que faz realmente dum artista um grande artista é o fato de ele criar um estilo, e não o que ele pensa ou sente. Aliás, é o fato de ele criar um estilo, apesar do que ele pensa ou sente.

É só comparar o próprio Camus ao Oscar Wilde. Todo este povo - no fundo, no fundo, gentinha -, tipo Sartre e Camus, era filosofeira demais pra escrever bem. O que eles faziam era pegar uma tese filosófica (no caso deles; mas também podia ser psicanalítica, sociológica, marxista, sentimentalóide, dependendo do autor) e fazer um teorema, uma demonstração - no final, "ilustração" - da teoria em forma de narrativa. Pronto: todo mundo só prestava atenção no "homem embotado", do "Estrangeiro", no conflito existencial da "Idade da razão", fazia dois ou três comentários quanto à técnica narrativa, e era isso: "obra de gênio", proclamavam garotas existencialistas, com a cabeça dentro do forno. Os pseudo é que fica(va)m satisfeitos; pra que sentir o texto?, julgar esta coisa secundária e um tanto irracional que se chama "valor artístico"; basta se maravilhar com bons sentimentos éticos e masturbações filosóficas.

(Não é por nada que o Sartre admirava os escritores iluministas, os piores dos últimos três séculos.)

É este o problema de escritores como Camus: muita inteligência analítica, mas também muita lourdeur d'esprit. É que não basta ser um grande intelectual pra escrever um grande romance. Tem que ter um instinto de malabarista, fazer palhaçadas pro plúbico, querer divertir por divertir - o que é só uma forma menos empolada de dizer "l'art pour l'art" . O grande artista é o Téophile Gautier: é preciso entreter pelos sentidos.

E é só ler "The Importance of Being Earnest" pra ter uma idéia do que é isso. O Wilde tinha um domínio tão perfeito das palavras e uma imaginação tão delirante (sim, sim, quase doentia), que é impossível não rir o tempo todo. Ele consegue sintetizar um pensamento numa situação tão engraçada, tão espirituosa, que faz, no fim, parecer secundário se ele é justo ou injusto, se é verdadeiro ou não. É só muito engraçado, é só excelente. E, em romances como o Dorian Gray, muito bonito.

Porque art is about the senses, só isso. E os grandes conceptistas - tipo o Padre Vieira ou o João Cabral de Melo Neto - só conseguem ser realmente grandes porque transformam abstrações em coisas palpáveis, porque concretizam conceitos. Daí, escrevem coisas assim:

Na paisagem do rio
difícil é saber
onde começa o rio;
onde a lama
começa do rio;
onde a terra
começa da lama;
onde o homem
onde a pele
começa da lama;
onde começa o homem
naquele homem.

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Olá, Rodrigo.

Desfonfio que os franceses, no século XX, ao que parece, sentiram-se acanhados com a imensa qualidade literária dos compatriotas do século XIX e não souberam o que fazer exatamente. Mas ainda estou lendo os franceses do século XIX, de maneira que não posso dizer nada ao certo.

E, no entanto, gosto bastante de "L'etranger". Por acaso, li ontem mesmo a primeira parte e acho divertidíssimo. Camus tem um estilo, é certo, não é apenas um explicador de doutrina.

Só peca na última frase da primeira parte, que é desnecessária, muito solene, e destoa do resto: "E eram como três pancadas na porta da desgraça".

Argh, não?

Abraço.

2:13 PM  
Blogger rodrigo de lemos said...

olá, ludovico,

me parece que tens razão neste ponto: competir com flaubert, baudelaire, mallamré... é duro. mas também eles sofrem da herança modernista do baudelaire: chercher du nouveau... a qualquer custo. e tiveram que inventar coisas meio enjoativas como o nouveau romans, ou a literatura existencialista.

sabe, "l'étranger" é legal, também acho. só não acho tão seminal quanto dizem (prefiro wilde, etc...) mas divirta-se (apesar da frase...)

abraço, volte sempre

2:26 PM  

Postar um comentário

<< Home