MTV de manhã cedo é bizarro, não é?
Hoje de manhã, por exemplo. Ligo a tv: três barbudos, um violão e uma sala cheia de móveis quebrados, pichações nas paredes e posters do Sebasitão Salgado. Ainda, num canto, um cachorro sarnento olhando desconsolado pra uma garrafa de cerveja meio quente; no outro, um hippie bebendo vinho Garibaldi. Enfim, um ambiente tão luxuoso que não pensei duas vezes: só podia ser diretório acadêmico de universidade pública. Impossível se conter: "Céus, mas será que a MTV não cansa! Que que é isso? Mais um desses grupinhos de três-professores-de-sociologia-marxistas-que-cantam-dançam-representam-e-rebolam-até-lá-embaixo-dum-jeitinho-sensual? Inferno!"
E era. Eles páram de tocar; um deles pega o vinil de algo como, sei lá, como Destiny's Child - "bem mais roots que o CD, cara". Os três se entreolham, sorriem e largam o violão.
Corta pra uma externa, no pátio da faculdade. A música: "
Can you keep up/ Lenin boy/ Make me lose my breath/ Hit me hard/Make me lose my (ah-ah)", e os três no topo duma escada, de shortinho jeans desfiado, miniblusa preta do Che Guevara e o panção peludo de fora. Aí, começa a coreografia; eles descendo a escada com passinhos sicronizados, fazendo cara de quem quer mais, e com aquele requebrado sensual que só quem leu as obras completas do Antonio Gramsci pode ter. Neste ponto, eu já estava paralisado, segurando a faca de manteiga uns três dedos acima do pão. Mas o melhor veio depois, quando eles chegaram ao último degrau; os três levantaram os braçinhos, quebraram a cabeça pro lado, e desceram até lá embaixo, com o corpo duro, duro, mexendo só o quadril em movimentos circulares. Não pude conter uma ereção.
Aí, cortaram para o mais gordo, que devia ser o líder, a Beyoncé do trio. Porque era o momento de ele dar show sozinho. Um longo travelling de baixo pra cima, desde a sandália fransciscana até a cara barbuda e maquiada, demorando mais tempo (óbvio) sobre o short e a miniblusa do Che. E ele lá, agarrado num poste, cantando com uma cara bem lânguida, tremendo a boca e revirando os olhinhos pra exagerar nos agudos. Lindo! Lindo!
Depois veio uma cena confusa: um dos integrantes fazia scratches em "Construção", do Chato Buarque, enquanto uma menina riponga, de saião indiano e sem calçinha, girava de perna aberta na pista duma discoteca black. Senti que meu chá com leite já espumava pelo nariz.
Mas o auge veio no fim. Do nada, o cenário muda, e aparece um daqueles palcos tipo Sílvio Santos ou, pior, programa de auditório da tv italiana. Muita luz, muitos flashes, muito glamour. Surgem os três de biquini, sandália prateada e boina vermelha, fazendo juntinhos a coreografia e dublando o refrão ("
Can you keep up/ Lenin boy/ Make me..."). Atrás, uns sete ou oito rapazes fortes, com barbichas postiças à la Fidel Castro, uniformes do exército sem mangas e calças de crochê, que é pra mostar um pouco do que Deus lhes deu, sabe como é. Todo mundo dançando break, bem animado. E então, no final, já com aquela legenda da MTV na tela (
Artista: Las Guevara; Música: Can you keep up, Lenin-boy; Disco: Rebolando pelo social), três desses dançarinos vão pra frente do palco, cada um pega o seu professor-marxista e ergue ele nos ombros. É o grand finale. A música pára; os três guevara-boys abrem os braços, sorriem forçado, e vrum, a imagem congela.
Voltei a mim com medo de encontrar esta gente na aula.
Mas gostei muito do clipe. Bem original pra estas girl-bands, que, em geral, são todas iguais. Menos o final, Liza Minelli demais pra mim.
Bizarra esta MTV de manhã cedo.
Foto de início de carreira das "Las Guevara". Notem à extrema-esquerda (!) ABC Castro, que largou o grupo em 1999 a fim de emigrar de Cuba pros States como baby-sitter.