sexta-feira, julho 01, 2005

what is this thing called love?


-Mas eu gosto do Cole Porter; só acho que pessoas enjoam dele falando de amor o tempo todo.

Mas as pessoas não se cansam do Cole Porter exatamente porque ele fala de amor o tempo todo. Ok, quase o tempo todo. O fato é que amor é o tema perfeito para fazer canção popular - mais ainda para grande canção popular, como era o caso. É comum o suficiente para que todo mundo "se identifique" (e Madame Krawitz olha com reprovação); ao mesmo tempo, demanda uma sensibilidade um pouco mais refinada que jogo de truco e baile do chope. Se eu fosse de esquerda e não tivesse diabetes, diria que é um dos poucos sentimentos a um só tempo elevados e democráticos: qualquer um tem acesso a ele (ainda que geralmente só a ele). Afinal, mesmo um mulher medíocre, uma Emma Bovary, entende o amor, e é superior a toda uma Ionville de pedantes e burocratas, só por ter e ver "se despedaçarem seus romances 'Amiga'", como dizia o Paulo Francis. Também a secretária do meu pai, insuportavelmente (para os outros) apaixonada pelo ex-namorado, pode ter muito de Fafá de Belém, mas não deixa de ter um quê de Fedra, se a gente olha com bondade. E é porque o amor é tão comum, mas também tão fora do comum, que o Cole Porter - e também o Irving Berlin e o Jacques Brel e os Gershwin* - pôde falar dele assim, dum jeito compreensível, sem rebuscamentos, mas belíssimo: "one of those bells that now and then ring", por exemplo; um dos versos nos quais eu não veria problema de ouvir pelo resto da eternidade, cantados assim, com a voz meio cínica, pela Ella Fitzgerald.


*Dizem que as letras do Ira Gershwin eram fracas. Talvez; diferentes do Cole Porter, as letras do Ira só faziam sentido com a melodia. "You and you alone / Bring out the gipsy in me" assim, sem música, pode parecer versão em inglês de hit do Sidney Magal; com a melodia do George, entretanto, é uma bênção para os amantes felizes - e um castigo para os brokenhearted.

8 Comments:

Anonymous Anônimo said...

"Também a secretária do meu pai, insuportavelmente (para os outros) apaixonada pelo ex-namorado, pode ter muito de Fafá de Belém, mas não deixa de ter um quê de Fedra, se a gente olha com bondade." Perfeito, Rodrigo - todo o post, não só esse trecho. Resolvi acabar com a cizânia e dizer isso. ;>)

8:02 PM  
Anonymous Anônimo said...

Mas eu gosto das letras de Ira Gershwin, though. "She's the illegitimate daughter of the illegitimate son/ of the illegitimate nephew of Napoleon" vale continentes cheios de Chicos Buarques. ;>) (Pisquei, mas é verdade.)

8:08 PM  
Blogger rodrigo de lemos said...

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5:36 PM  
Blogger rodrigo de lemos said...

very gentle of you, darling. mas o que será "cizânia" mesmo? o smarty sempre levanta questões profundas. ;-)

ah, e de que música é esta letra do Gershwin? não lembro. de qualquer jeito, excelente. também tem "they all laughed", outra dele que é definitivamente witty.

abraços

5:38 PM  
Anonymous Anônimo said...

É de um musical chamado "Of Thee I Sing" - não lembro o nome da música, mas está lá. Tenho em vinil, só me falta a damned vitrola.

6:13 PM  
Anonymous Anônimo said...

Não sei por quê, mas tudo isso me soa tão familiar.

6:38 PM  
Blogger rodrigo de lemos said...

adriano, digamos que se eu sou o la rochefoucauld, tu és a minha mme. de la fayette. (mas não te preocupa; vou te poupar da salsa homoerótica.) ;-)



abraço

6:52 PM  
Anonymous Anônimo said...

Já estou me abanando com meu leque.

6:00 PM  

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