sexta-feira, julho 22, 2005

por que festas?


Não, não é que eu esteja contradizendo o post anterior. Sei que contradições são como giz em quadro-negro: causam chair-de-poule em alguns leitores. Não, definitivamente não é isso. Mas é que existe a remota possiblidade de festas serem quase tão boas quanto livros. E talvez nem tão remota assim: já fui a algumas que como literatura eram infintamente melhores que as obras completas do Camus. Depende da qualidade dos personagens que você encontra nelas. E como em qualquer boatezinha dá para achar mais personagens divertidos que em toda a literatura existencialista - well, concluam vocês. Além disso, até poderia argumentar que eu, ao natural, sou bem mais interessante que a maioria das criaturazinhas que cuidadosamente se arrastam na "Idade da Razão". Mas existe uma séria contradição lógica na proposição que junta "eu" e "ao natural", e que me impede de servir de exemplo à tese.

Claro, não é qualquer festa que pode contar como literatura. Funcionário público em fim de ano, nem pensar. O mesmo para chá-de-fralda. Porque para uma festa contar como literatura, deve ter pelo menos: a) 50% das mulheres vestidas elegantemente; b) 50% das mulheres elegantemente vestidas; c) homens gordos, de piteira; d) garçons servindo Veuve-Clicquot (verdadeiro ou não, pouco importa); e) comentários maldosos feitos amavelmente. Para os dois primeiros requisitos, estou biologicamente impossibilitado; para os outros dois, me faltam peso e dinheiro; mas do último, eu geralmente me encarrego. E muito bem, devo admitir. Por exemplo, teve aquela menina chata, tão chata quanto magra, que me perguntou se eu não queria vê-la nua e que eu dispensei, respondendo que já tinha visto Cocoon duas vezes, obrigado. E teve também a bicha inglesa que tentou destruir a festa de um amigo e de quem eu me vinguei mais tarde, drogando-a com seis uísques, dois daiquiris e 23 drágeas de benflogim infantil. (A propósito, feliz Bette Davis se tivesse descoberto a tempo o truque do benflogim com álcool; a ressaca é sempre mortal.) Enfim, tantos feitos, tantas marcas, tantos exemplos de moralidade irrepreensível. De tão satisfeito comigo, acho que meu nariz vai sangrar.

No fim, toda festa boa parece literatura, e toda boa literatura se parece um pouco com festa. (Não, leitor, não adianta; não consigo conter estes impulsos que me levam a generalizalções impróprias. Mas vou tentar, ó:) Ok, talvez nem toda boa literatura seja como festa. Mas é sintomático que à medida que os romances foram ficando mais chatos, as cenas de festa foram ficando mais raras. Madame Bovary no baile do castelo, se olhando no espelho enquanto é cortejada por condes e duques (vejam esta cena filmada por Vincent Minelli; vejam). O estudo dos monóculos dos convidados em "Du Côté de chez Swann". E, para variar os livros do outro post (que se repetiram, se repetem e se repetirão por serem os meus favoritos), M. de Nemours e a Princesa de Clèves se reconhecendo só pela beleza mútua num baile do Louvre. E agora: onde, onde é que se acha cena de festa em toda a obra do Sartre?


Acho que encontrei um bom indicador de chatice literária.

11 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Cheers!

E uma festa com beijo, então? Lembra de O Beijo, do Tchekhov? O pequeno Riabóvitch se perde na casa durante uma festa. Num escritório meio escuro, recebe o beijo de uma deliciosa, para sempre, desconhecida.

3:16 PM  
Blogger rodrigo de lemos said...

boa lembrança, breno. acho que este foi um dos poucos tchekhovs de que eu realmente gostei.

não sei porque, mas só consegui me lembrar de romances franceses. talvez porque eu só leia romances franceses (mentira). mas me parece que cenas de festa são muito frequentes entre eles.

vou tentar lembrar de algumas dos ingleses. dos italianos também.
russos, I quit.


abraço

4:15 PM  
Blogger Odorico Leal said...

Há um trecho em "Suave é a Noite" em que o Fitzgerald explica a idéia que Dick Diver tem do que seja uma grande festa. É um trecho inesquecível, apesar de eu o ter esquecido - recordo apenas a sensação impactante de o ter lido. Talvez seja isso que aconteça com a boa literatura: o que fica realmente é a nítida sensação de que algo grande aconteceu.

;)

Great post, just great.

ps: obrigado pelo link, rapaz, só vi agora

abraços,

7:45 PM  
Blogger rodrigo de lemos said...

Obrigado, Ludovico.

Não lembro desta cena do "Suave é a noite"; li faz muito tempo. Mas não duvido que seja realmente boa. Aliás, "Suave é a noite", apesar de não estar no meu top 20, é o típico romance que tem clima de festa o tempo todo. Ou de ressaca, à medida que se paroxima do final.

abraço

8:53 AM  
Anonymous Anônimo said...

Ai, Rodrigo, e as noitadas no Fim de Século, cheias daqueles pavões coloridos e de comentários venenosos? Não prestam para uma Obras Completas (apesar de faltar sutileza)?
Ou pelo menos um livrinho de contos.

10:10 AM  
Anonymous Anônimo said...

Ou, melhor, pode ser um segundo livro da tua versão do Recherche..., não? Acho melhor nem sugerir o nome.

10:12 AM  
Blogger rodrigo de lemos said...

adriano, mas já me inspirei no fim-de-século para escrever! sim, uma epopéia em decassílabos heróicos sobre uma bicha que a caba com o namorado na pista de dança no inverno de 96. o primeiro verso? "As asrmas e os varões assinalados, como sempre." ;-)

11:25 AM  
Blogger rodrigo de lemos said...

mas sugere, suger um nome aí!

11:25 AM  
Anonymous Anônimo said...

Rodrigo, Rodrigo, O Monty Python perde muito em tu não teres nascido na Inglaterrana década de 40. Quanto ao nome, partindo do primeiro verso, poderia ser "As Lesadas".

2:03 PM  
Anonymous Anônimo said...

As armas e os varões assinalados
que, no bafão desse fim de semana
Deixaram os seus bofes desolados
Sem se quer um beijinho na banana

Decassílabos heróicos, hein, hein? Very clever of me, ai'nt it?

2:17 PM  
Blogger rodrigo de lemos said...

HAHAHAHAHA!

Adriano, tu és um gênio! um gênio!

E depois é comigo que o Monty Pyton perde alguma coisa!

HAHAHAHA! (se afoga com a banana amassada, de tanto rir)

2:53 PM  

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