quarta-feira, julho 13, 2005

"Dicionário Rodrigo de Lemos dos Sonhos Mais Legais"


Freud, Ok. Mas interpretar sonhos é dull. Prefiro ver os sonhos da forma mais elementar e não-intelectual possível: como imagens, e não como mensagens de um desconhecido gentil. Exceção: quando são premonitórios. E só aí. No entanto, a crença em sonhos premonitórios é um luxo que, assim como os vestidos belle-époque ou os privilégios de nobreza, as pessoas de agora não se permitem. Pior para elas, é claro.

O ponto é que eu nunca quis ir muito fundo na análise dos meus sonhos. Alguns eram tão absurdos que seriam bem difícieis de estudar - ou não, ou não; talvez fossem até bem simples; todo mundo acha que os seus sonhos, de tão especiais, são inanalisáveis. Isso porque a vaidade não tem medida, e as pessoas louvam em si próprias até mesmo o que fizeram sem consciência. Anyway, o que realmente me impedia de analisar meus sonhos era um delicadeza, um escrúpulo, um temor de eles perderem a graça. Um sonho analisado é mais ou menos como aquelas explicações de quadro em livro didático, nas quais o desenhista põe um monte de números, círculos e retas em cima do rosto da Virgem Maria, só para mostrar relações de proporção. Pode até ser útil, mas definitivamente não é bonito. Beleza não combina com andaimes, diz o meu epitáfio.

Enfim, já tive sonhos legais. Um dia ainda vou escrever um dicionário de 700 páginas, o "Dicionário Rodrigo de Lemos dos Sonhos Mais Legais", em que eles vão estar separados por tema, imagens e tamanho das manchas de urina causadas por cada. E já tenho anotados alguns. Num deles, eu sou convidado para assistir às reuniões de uma estranha seita do interior da floresta amazônica. Era o culto de uma índia velha que tivera um estalo na coluna e desde então andava com os braços abertos, em forma de cruz. Até aí, nada de estranho; milhões de velhinhas chilenas, esquimós e dinamarquesas devem ter o mesmo problema. Mas o que havia de realmente milagroso naquilo tudo era a carne dela estar se tornando madeira; a pele, cortiça, e ela inteirinha se transformar pouco a pouco na própria cruz de Jesus Cristo. Ao menos era o que a caboclada do meu sonho dizia, e eu não estava - e mesmo agora não estou - longe de acreditar neles.

Acontece que eu acabei roubando uns objetos sagrados. Não sei por quê; devia estar querendo vender para um jornal de Porto Alegre, tirar uma grana e ir para as Bahamas, como em todo filme dos anos 80. Só que os fanáticos começaram a me perseguir; entravam em shoppings carregando foices e enxadas; faziam gritaria em restaurantes; saíam de bueiros na Rua da Praia urrando xingamentos em tupi. Uma chatice. Só sei que uma hora cansei e procurei refúgio num bairro muçulmano; lá, não entendo também por quê, um árabe me deu um tiro, e eu acordei. Hoje, por causa desta cena do árabe, penso em colocar o sonho na categoria "Premonitório" do dicionário. É que devo ter tido este pesadelo em 98, e qualquer sonho anterior a 2001 que contenha um muçulmano matando um ocidental não pode deixar de me parecer premonitório hoje em dia; odeio admitir isso, mas é fato.

Outro que vai constar: eu voltando da escola. De repente, em frente a uma fábrica abandonada, aparece um grupo de aleijados. Todos com problemas sérios; um, sem perna; outro, de muletas; outro ainda, de cadeiras de roda. Mas o pior é que eles, mesmo a menininha perneta no triciclo, tinham a cara do Jô Soares. Really. Claro, fiquei mais tocado pela sua situação do pescoço para cima do que da cintura para baixo. Mesmo assim, me forçei para não demonstrar piedade, dei a eles uma moeda de 50 centavos, e no fim eles até abanaram para mim.

O problema foi quando cheguei em casa. Estavam todos lá, rindo histrionicamente, fazendo entrevistas sem graça e comendo aquilo que seria o meu almoço. Segurei a raiva, acenei polidamente e fui lavar as mãos no banheiro. Mas, ao chegar ali, foi chocante: havia sangue seco no chão; o banheiro estava deformadamente enorme, e um dos Jô Soares, uma bicha magrinha de cabelos encaracolados, se debatia sobre um pedestal de mármore, cortando os bracinhos meio atrofiados com um serrote numa tentativa heterodoxa de imitar a Vênus de Milo. Acordei apavorado.

Não sei ainda como classificar esse aqui. Quem tiver sugestões.

Mas com certeza a categoria mais divertida será a dos "pesadelos eróticos". Sim, sim, a espécie existe, e já tenho um primeiro exemplar compilado.

Foi uma amiga quem me contou. Quando criança, ela sonhou com o Fofão lhe pedindo um beijinho. Ela negava; ele insistia; ela negava, negava, negava e negava novamente, até que no fim cedeu. Mas minha amiga, ao se aproximar dele, percebeu que as suas bochechas eram testículos enormes. Ela ainda tentou se afastar, desviar o rosto, bater nele, mas o Fofão abriu a boca e um pau gigantesco saiu da sua goela, se enrolou no corpo da criança e deu voltas e voltas e voltas em torno dela, como uma sucuri. Ela acordou gritando, enrolada nas cobertas e abraçada naquele boneco demoníaco do Fofão, que as crianças adoravam na década de 80. Desde então, nunca mais quis brincar com ele ou comer chocolates da Evelyn.


Bem, espero achar sonhos deste nível sempre. Se conseguir, vou vender mais dicionários que a Webster, o Robert e o Aurélio juntos. E ainda reeducar o mundo a levar seus sonhos um pouco mais a sério, e a se divertir com eles. Não-sei-o-quê's do mundo, uni-vos! Abaixo Sujismundo Frodo. Abaixo o Chataeador Dali. Abaixo os pisca-anal-istas.


(Eu e este meu libertarismo incorrigível.)

2 Comments:

Blogger Odorico Leal said...

Quantos posts para ler. Que horror esta vida sem internet. Mas já dei uma olhada nas cenas de danças. Eu acrescentaria aqueles segundos da Audrey dançando com o príncipe em "My Fair Lady" - porque ela é ostensivamente fofa.

Abraço, Rodrigo

11:39 PM  
Blogger rodrigo de lemos said...

Rapaz, pensei que tinha acontecido alguma coisa. Da próxima vez que "quebrar" a internet, avise; sério, ficamos todos preocupados. :-)

ah, boa idéia aquela de filmes brasileiros em inglês. filmes brasileiros filmados na inglaterra, com atores da inglaterra e histórias na inglaterra são a saída, sempre digo isso.

abraços

4:09 PM  

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