o esquadrão de comentadores anti-estrangeirismo (depoimento de um sobrevivente)
"Primeiro, eles deixaram comentários furiosos no meu blog. Depois, descobriram meu número de telefone. Me ligavam às 6 da manhã, fazendo ameaças em broken english e desligando com um "anauê". Até que um dia dois gordos com máscaras do Plínio Salgado meteram o coturno na porta do meu quarto e me tiraram à força da frente do computador . Não deixaram nem que eu completasse "entertainment"; ficou pela metade, no primeiro "t".
Aí, me levaram até um Lada 75 e me vendaram. Rodamos, rodamos, rodamos, e quando o carro parou, tive de caminhar ainda uns 15 minutos num lugar frio e mal-cheiroso. Dava pra sentir que havia muita gente. O problema é que eu só ouvia umas vozes, umas conversas disparatadas; francês, italiano, british, tudo misturado com português, e até para pedir lincença as pessoas usavam um "Dah-ling" ou um "Excuse-moi". Foi aí que percebi o que estava acontencendo; era o que de pior podia acontecer; era o que vinha se preparando há tempo; era a vingança dos comentadores-que-só-sabem-português contra os blogueiros-que-usam-estrangeirismos.
Tiraram a minha venda. Olhei em volta e vi como era aterrador: centenas e centenas de homens e mulheres sentados no concreto frio, só de cueca ou de calçinha ou de samba-canção, tremendo com as mãos na cabeça e conversando sobre Charles Dickens ou palácios do período Tokugawa. E, quando a conversa se animava e alguém falava "My God" um pouco mais alto, vinha um Plínio Salgado e dava um cascudo na cabeça do blogueiro. Aquilo era uma Auschwitz comandada pelo Napoleão Mendes de Almeida, em que eu ia ser humilhado e torturado, e nem latim ia aprender direito.
Pediram que eu ficasse de cueca. Obedeci, sentei no chão e pus as mãos na cabeça - sem antes deixar de murmurar um "merda", que pro soldado era português, mas que eu sabia ser igualzinho em italiano. E então um comentador chato nos saudou com outro "anauê" e anunciou que seriam projetadas algumas imagens de "blogs ideais". Levou uns 20 minutos só para dizer isso. Mas foi aí que o inferno começou. Nos fizeram ler coisas que se chamavam "Vida simples" ou "A Aventura do dia-a-dia", em que blogueirinhos fanhos - porque todo blogueiro chato é fanho, claro - ou citavam entrevistas com o Chico Bu(eir)arque, ou defendiam que "a gente tem que ter oruglho da nossa língua, pô!", ou postavam fotos do Sebastião Salgado - sim, aquele parente do Plínio, e parente não só de nome, acredite. Mas o pior é que não falavam nem um "come on", nem um "voilá"; mesmo um simples "alora" não saía daquelas boquinhas amareladas. (E no entanto inchavam os textos com "hermanos" ou "latinidad", o que, como todo mundo sabe, não constitui estrangeirismo, não é?)
Aí, me levaram até um Lada 75 e me vendaram. Rodamos, rodamos, rodamos, e quando o carro parou, tive de caminhar ainda uns 15 minutos num lugar frio e mal-cheiroso. Dava pra sentir que havia muita gente. O problema é que eu só ouvia umas vozes, umas conversas disparatadas; francês, italiano, british, tudo misturado com português, e até para pedir lincença as pessoas usavam um "Dah-ling" ou um "Excuse-moi". Foi aí que percebi o que estava acontencendo; era o que de pior podia acontecer; era o que vinha se preparando há tempo; era a vingança dos comentadores-que-só-sabem-português contra os blogueiros-que-usam-estrangeirismos.
Tiraram a minha venda. Olhei em volta e vi como era aterrador: centenas e centenas de homens e mulheres sentados no concreto frio, só de cueca ou de calçinha ou de samba-canção, tremendo com as mãos na cabeça e conversando sobre Charles Dickens ou palácios do período Tokugawa. E, quando a conversa se animava e alguém falava "My God" um pouco mais alto, vinha um Plínio Salgado e dava um cascudo na cabeça do blogueiro. Aquilo era uma Auschwitz comandada pelo Napoleão Mendes de Almeida, em que eu ia ser humilhado e torturado, e nem latim ia aprender direito.
Pediram que eu ficasse de cueca. Obedeci, sentei no chão e pus as mãos na cabeça - sem antes deixar de murmurar um "merda", que pro soldado era português, mas que eu sabia ser igualzinho em italiano. E então um comentador chato nos saudou com outro "anauê" e anunciou que seriam projetadas algumas imagens de "blogs ideais". Levou uns 20 minutos só para dizer isso. Mas foi aí que o inferno começou. Nos fizeram ler coisas que se chamavam "Vida simples" ou "A Aventura do dia-a-dia", em que blogueirinhos fanhos - porque todo blogueiro chato é fanho, claro - ou citavam entrevistas com o Chico Bu(eir)arque, ou defendiam que "a gente tem que ter oruglho da nossa língua, pô!", ou postavam fotos do Sebastião Salgado - sim, aquele parente do Plínio, e parente não só de nome, acredite. Mas o pior é que não falavam nem um "come on", nem um "voilá"; mesmo um simples "alora" não saía daquelas boquinhas amareladas. (E no entanto inchavam os textos com "hermanos" ou "latinidad", o que, como todo mundo sabe, não constitui estrangeirismo, não é?)
Depois deste tratamento, a que muitos homens e mulheres valorosos só sobreviveram à base de muito Plasil, veio outra "atividade de amor cívico", como eles diziam. Nos obrigaram a cantar o hino nacional. E depois a fazer um resumo do projeto de lei do Aldo Rebelo para coibir o uso de estrangeirismos no Brasil. Lembro que a nossa reação foi tão violenta, mas tão violenta, que tiveram de dobrar as doses de Plasil para os prisioneiros.
Mas o pior veio depois. Nos mandaram ficar de joelhos. Então, alto-falantes gigantes foram colocados num palco, e logo percebi que o que estava vindo era uma espécie de solução final. Um soldado deu "play" (se treme todo, seqüela do tratamento) no som; outro colocou o volume no máximo, e a voz da Adélia Prado começou a ler bem devagar, exagerando as consoantes e com a voz lânguida e profunda, textos do Marcos Bagno sobre "preconceito lingüístico e uso do inglês para fins de diferenciação social". Ao meu lado, um jovem blogueirnho de 18 anos caiu sem sentidos. A vida inteira pela frente, coitado. Mais à frente, uma menina headbanger se contorceu toda e vomitou nos próprios cabelos. O mesmo aconteceu com um nerd atrás de mim. E à minha volta eu via todos caírem; alguns sem sentidos; outros implorando misericórdia, mas todos murmurando que Adélia Prado era demais, que preferiam até o Marcos Frota a uma coisa assim. E enquanto isso os comentadores-Plínio-Salgado ficavam num palanque, de ouvidos tapados e rindo da desgraça alheia. Eu mesmo começei a sentir o estômago embrulhado, um torpor no corpo inteiro, uma tontura de porre de whisky, e ainda tive tempo de gritar "Cachorros!" antes de cair sem consciência.
Acordei no hospital após três dias de sono profundo.
Agora, acabo de ler no jornal que a Polícia Federal quer desbaratar essa rede de comentadores-que-só-falam-português-e-xingam-estrangeirismos. Querem até a ajuda da Interpol para isso, e a França já se disponibilizou para dar apoio - à condição que os brasileiros troquem "americano" por "estadunidense"; a França e essas invejinhas de ex-império, eu não entendo.
Mas, como sempre, a polícia está na pista errada. Não precisa de violência, de repressão. Uns dois ou três semestres de Fisk resolvem o problema desta gente. Sério, garanto"
Momentos dramáticos durante o ataque dos comentadores-anti-estrangeirismos. Tentem identificar seu blogueiro favorito no meio da multidão.
5 Comments:
Sugiro que, para não demonstrares fraqueza, uses ainda mais estrangeirismos. Podes até mesmo usar alguma coisa do grego antigo...Terias o blog mais erudito do país. Talvez até te apelidassem de "Homero da era digital", que tal?
boa idéia, gabriel; só é pena que eu não tenho os caracteres gregos.
como fica chá das cinco em grego? pelo ritmo que eu estou indo, mais um cinco anos e eu aprendo...
abraço
Deve haver algum grego contemporâneo escrevendo um blog muito digno em grego antigo. Deve haver, deve haver. Vou procurar um bom post em grego antigo. Traduzo para o latim e te passo, Rodrigo. Você passa para o húngaro. Ou para o russo, se o preferir (já sei que você vem traduzindo todo o Tolstoi como nunca o tinham feito no país e o estimo muitíssimo por isso).
***
Ainda preciso alugar aquele musical com Fred Astaire. Hoje vai passar "Dogville", na TV, logo mais. Vi só metade, no cinema. Estava bom, mas fiquei com sono e deixei a sessão. Acontece.
***
Bom post, muito bom post
***
Abraço, rapaz
claro, ludovico, e espere também uma versão em sânscrito de confúcio e uma em grego jônico dos lusíadas. enquanto isso, vá ver "a roda da fortuna", que é um bom anestésico. e bom "dogville".
ah, e a tua caixa de comentários? se irritou com o lado negro da força?
abraços
ah, ludovico, depois de veres a "a roda...", duvido que não concordes: dancing in the dark é uma das melhores coisas da terra ou não é?
(usar "tu" fica tão pedante às vezes, não? azar, pelo menos eu tenho desculpa de ser gaúcho...)
abraços, abraços
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