quarta-feira, junho 08, 2005

o esquadrão de comentadores anti-estrangeirismo (depoimento de um sobrevivente)



"Primeiro, eles deixaram comentários furiosos no meu blog. Depois, descobriram meu número de telefone. Me ligavam às 6 da manhã, fazendo ameaças em broken english e desligando com um "anauê". Até que um dia dois gordos com máscaras do Plínio Salgado meteram o coturno na porta do meu quarto e me tiraram à força da frente do computador . Não deixaram nem que eu completasse "entertainment"; ficou pela metade, no primeiro "t".

Aí, me levaram até um Lada 75 e me vendaram. Rodamos, rodamos, rodamos, e quando o carro parou, tive de caminhar ainda uns 15 minutos num lugar frio e mal-cheiroso. Dava pra sentir que havia muita gente. O problema é que eu só ouvia umas vozes, umas conversas disparatadas; francês, italiano, british, tudo misturado com português, e até para pedir lincença as pessoas usavam um "Dah-ling" ou um "Excuse-moi". Foi aí que percebi o que estava acontencendo; era o que de pior podia acontecer; era o que vinha se preparando há tempo; era a vingança dos comentadores-que-só-sabem-português contra os blogueiros-que-usam-estrangeirismos.

Tiraram a minha venda. Olhei em volta e vi como era aterrador: centenas e centenas de homens e mulheres sentados no concreto frio, só de cueca ou de calçinha ou de samba-canção, tremendo com as mãos na cabeça e conversando sobre Charles Dickens ou palácios do período Tokugawa. E, quando a conversa se animava e alguém falava "My God" um pouco mais alto, vinha um Plínio Salgado e dava um cascudo na cabeça do blogueiro. Aquilo era uma Auschwitz comandada pelo Napoleão Mendes de Almeida, em que eu ia ser humilhado e torturado, e nem latim ia aprender direito.

Pediram que eu ficasse de cueca. Obedeci, sentei no chão e pus as mãos na cabeça - sem antes deixar de murmurar um "merda", que pro soldado era português, mas que eu sabia ser igualzinho em italiano. E então um comentador chato nos saudou com outro "anauê" e anunciou que seriam projetadas algumas imagens de "blogs ideais". Levou uns 20 minutos só para dizer isso. Mas foi aí que o inferno começou. Nos fizeram ler coisas que se chamavam "Vida simples" ou "A Aventura do dia-a-dia", em que blogueirinhos fanhos - porque todo blogueiro chato é fanho, claro - ou citavam entrevistas com o Chico Bu(eir)arque, ou defendiam que "a gente tem que ter oruglho da nossa língua, pô!", ou postavam fotos do Sebastião Salgado - sim, aquele parente do Plínio, e parente não só de nome, acredite. Mas o pior é que não falavam nem um "come on", nem um "voilá"; mesmo um simples "alora" não saía daquelas boquinhas amareladas. (E no entanto inchavam os textos com "hermanos" ou "latinidad", o que, como todo mundo sabe, não constitui estrangeirismo, não é?)


Depois deste tratamento, a que muitos homens e mulheres valorosos só sobreviveram à base de muito Plasil, veio outra "atividade de amor cívico", como eles diziam. Nos obrigaram a cantar o hino nacional. E depois a fazer um resumo do projeto de lei do Aldo Rebelo para coibir o uso de estrangeirismos no Brasil. Lembro que a nossa reação foi tão violenta, mas tão violenta, que tiveram de dobrar as doses de Plasil para os prisioneiros.


Mas o pior veio depois. Nos mandaram ficar de joelhos. Então, alto-falantes gigantes foram colocados num palco, e logo percebi que o que estava vindo era uma espécie de solução final. Um soldado deu "play" (se treme todo, seqüela do tratamento) no som; outro colocou o volume no máximo, e a voz da Adélia Prado começou a ler bem devagar, exagerando as consoantes e com a voz lânguida e profunda, textos do Marcos Bagno sobre "preconceito lingüístico e uso do inglês para fins de diferenciação social". Ao meu lado, um jovem blogueirnho de 18 anos caiu sem sentidos. A vida inteira pela frente, coitado. Mais à frente, uma menina headbanger se contorceu toda e vomitou nos próprios cabelos. O mesmo aconteceu com um nerd atrás de mim. E à minha volta eu via todos caírem; alguns sem sentidos; outros implorando misericórdia, mas todos murmurando que Adélia Prado era demais, que preferiam até o Marcos Frota a uma coisa assim. E enquanto isso os comentadores-Plínio-Salgado ficavam num palanque, de ouvidos tapados e rindo da desgraça alheia. Eu mesmo começei a sentir o estômago embrulhado, um torpor no corpo inteiro, uma tontura de porre de whisky, e ainda tive tempo de gritar "Cachorros!" antes de cair sem consciência.


Acordei no hospital após três dias de sono profundo.


Agora, acabo de ler no jornal que a Polícia Federal quer desbaratar essa rede de comentadores-que-só-falam-português-e-xingam-estrangeirismos. Querem até a ajuda da Interpol para isso, e a França já se disponibilizou para dar apoio - à condição que os brasileiros troquem "americano" por "estadunidense"; a França e essas invejinhas de ex-império, eu não entendo.


Mas, como sempre, a polícia está na pista errada. Não precisa de violência, de repressão. Uns dois ou três semestres de Fisk resolvem o problema desta gente. Sério, garanto"



Momentos dramáticos durante o ataque dos comentadores-anti-estrangeirismos. Tentem identificar seu blogueiro favorito no meio da multidão.



5 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Sugiro que, para não demonstrares fraqueza, uses ainda mais estrangeirismos. Podes até mesmo usar alguma coisa do grego antigo...Terias o blog mais erudito do país. Talvez até te apelidassem de "Homero da era digital", que tal?

4:46 PM  
Blogger rodrigo de lemos said...

boa idéia, gabriel; só é pena que eu não tenho os caracteres gregos.

como fica chá das cinco em grego? pelo ritmo que eu estou indo, mais um cinco anos e eu aprendo...

abraço

5:15 PM  
Blogger Odorico Leal said...

Deve haver algum grego contemporâneo escrevendo um blog muito digno em grego antigo. Deve haver, deve haver. Vou procurar um bom post em grego antigo. Traduzo para o latim e te passo, Rodrigo. Você passa para o húngaro. Ou para o russo, se o preferir (já sei que você vem traduzindo todo o Tolstoi como nunca o tinham feito no país e o estimo muitíssimo por isso).

***

Ainda preciso alugar aquele musical com Fred Astaire. Hoje vai passar "Dogville", na TV, logo mais. Vi só metade, no cinema. Estava bom, mas fiquei com sono e deixei a sessão. Acontece.

***

Bom post, muito bom post

***

Abraço, rapaz

6:12 PM  
Blogger rodrigo de lemos said...

claro, ludovico, e espere também uma versão em sânscrito de confúcio e uma em grego jônico dos lusíadas. enquanto isso, vá ver "a roda da fortuna", que é um bom anestésico. e bom "dogville".

ah, e a tua caixa de comentários? se irritou com o lado negro da força?

abraços

12:47 PM  
Blogger rodrigo de lemos said...

ah, ludovico, depois de veres a "a roda...", duvido que não concordes: dancing in the dark é uma das melhores coisas da terra ou não é?

(usar "tu" fica tão pedante às vezes, não? azar, pelo menos eu tenho desculpa de ser gaúcho...)

abraços, abraços

1:45 PM  

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