terça-feira, agosto 23, 2005

carta CLV de mme de sevigné: relato de um dia em versailles para sua filha, mme. de grignan


Ma chère bonne,

Desculpe, mas ainda não li sua correspondência. Na verdade, creio que ela não chegou, e por minha culpa; ontem, passei exatamente 53 minutos sem abrir meu hotmail, o que fez a caixa estourar com spams indecentes oferecendo pílulas de orgasmo e halteres para alargamento peniano. Já bloqueei 35 Lolita Pills e 24 Long Dong Silvers, mas eles continuam aparecendo como ratos em roupa suja.

Hoje passei o dia em Versailles. Fomos eu, Coulanges, e o conde de Bussy-Rabutin. Devo dizer que foi um dia dos mais agradáveis, apesar dos percalços do caminho. Em plena Place de la République, um bando de rappers tunisianos levou a carteira de Coulanges. Bussy-Rabutin correu atrás deles para recuperá-la, mas parece que depois da lambada o populacho parisiense ficou mais malemolente. Os negrinhos subiam em postes, davam cambalhotas em cestas de frutas, saltavam carruagens em movimento. Além disso, os saltos do conde impediam que ele os alcançasse; já adverti ao Rei de que a moda do salto alto ainda vai acabar com o temor do petit-peuple pela nobreza, mas até agora nenhum decreto foi baixado. De qualquer maneira, no fim de um beco os tunisianos desapareceram por um buraco na parede, provavelmente um erro de cáclulo; não contei até cinco para eles descobrirem tratar-se de uma toca de camudongos e começarem a gritar deseperadamente por ajuda em alguma língua que eles supunham ser francês. Temo que o dinheiro do pobre Coulanges tenha sido roído com eles - o que o deixou inconsolável. Estava triste pela carteira, triste pelo dinheiro, e sem um sous. Tive de gastar mais de 3 euros comprando tickets para mim e para ele no metrô; enfim, outra despesa que não estava nas minhas contas, mas por uma amizade faço qualquer sacrifício.

O metrô também não foi uma experiência das mais agradáveis. Primeiro, entalei meu vestido num daqueles bancos estreitos; foi preciso três chaves de fenda e um encanador polonês para entortar a armação do corselet. Depois, tivemos de suportar durante a viagem inteira um grupo de jazzistas cegos tocando "Take Five". Já falei ao Rei sobre cegos tocando "Take Five" no metrô; sinalizei o mal para a saúde pública que este hábito repetitivamente bárbaro representa; discursei sobre o desconforto de encontrar por toda parte gente com óculos escuros tão hediondos. Ele, entretanto, prestou pouca atenção; com mais de trinta anos, o Rei ainda adora longos solos de bateria. É no que dá ter ouvido Led Zeppelin demais na adolescência; suspeito que Ana da Áustria reservou o pulso firme somente para o Parlamento.

Por fim, chegamos a Versailles. E como o palácio está diferente da útlima vez que você o viu! Aonde quer que se vá, sente-se uma alegria de máquina digital e de pézinho gordo em sandália; Madame me disse que esse é o lado bom de cobrar 10 euros a entrada. O próprio Rei estava diferente, mais falastrão - e você pode imaginar o quanto isso surpreende num homem tão lacônico como ele. Às 11 horas o huissier anunciou a sua aparição; o Rei saudou os convidados meramente com um aceno, e foi mais pródigo que de costume durante a refeição. Depois do licor e dos queijos, chegou mesmo a tomar emprestado o leque de Mme. de Lauzan e ensaiar alguns passos à Locomia, no que foi acompanhado pelos ministros. Não me divirto tanto desde o último baile de máscaras. Hà rumores de que que toda esta alegria seja em função do projeto Disney-Versailles para os bosques o palácio; acredito, contudo, tratar-se de uma nova favorita, depois da desgraça e reclusão de la Vallière. Enfim, tutto molto divertente.

Após o almoço, fomos caminhar pelo parque. Encontramos no caminho La Rochefoucauld. Sempre muito gentil, nosso amigo pediu notícias suas e de M. de Grignan enquanto lambuzava o bigode numa maçã-do-amor. Infelizmente, não conseguimos conversar por muito tempo; um grupo de turistas asiáticos pediu para tirarmos fotos abraçados; fomos perseguidos por cerca de 25 criançinhas japonesas ao longo das aléias do jardim, e tivemos que nos esconder num canteiro próximo ao Trianon para escaparmos dos pequenos selvagens. Parece que o guia nos denunciou ao gerente, dizendo que na Disney-Orlando os Mickeys não saem correndo de fotos para excursões; por isso, tomamos uma séria advertência e nos ameaçaram com uma temível demissão do nosso honorável posto de décor vivant. No entanto, apesar do incidente desagradável, tivemos momentos dos mais prazerosos. Ficamos a tarde inteira jogando truco no pier que construíram sobre o canal e no fim do dia andamos nos pedalinhos temáticos que instalaram na fonte de Latona; Bussy e la Rochefoucauld ficaram com um Richelieu sorridente, mas Coulanges e eu conseguimos um Luís XIII. Todavia, um pouco depois da cinco horas, tivemos de voltar a Paris; o pobre Coulanges reclamava estar cansado; acredito, entretanto, em outros motivos: a ingestão abusiva de algodão-doce ainda vai levar meu primo para os braços de Deus.

Cheguei há pouco em casa. Depois de um dia tão agitado, somente agora achei tempo e forças para escrever para você, minha filha querida. A saudade me consome a cada hora; não acho distração em coisa alguma; a todo instante me vêm ao espírito as cenas do seu casamento e de sua partida. Espero que M. de Grignan esteja desempenhando bem o papel de marido; ao menos isso justificaria o fato de ele ter levado você para tão longe de mim. Mas paro por aqui; o tamanho das minhas cartas deve estar lhe matando. Até mais, minha querida.

Je vous embrasse avec tendresse,

Votre mère

ps: Lembranças minhas para o seu marido. Aquele maldito sodomita.

3 Comments:

Anonymous Anônimo said...

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If you are still a smking person, I suggest you
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5:32 AM  
Blogger Odorico Leal said...

É essa a idéia que tenho de um bom post, Rodrigo. ;-)

10:05 AM  
Blogger rodrigo de lemos said...

thanx, many thanx. ;-)

1:05 PM  

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